Enquanto a cúpula governista brasileira tenta se entender e diferentes órgãos representativos da sociedade realizam debates em torno das mudanças na Lei de Anistia (1) previstas no Plano Nacional de Direitos Humanos, há pessoas ligadas ao regime militar de outros países tentando pegar carona na confusão para conseguir se beneficiar. Na sexta-feira, o major uruguaio da reserva Manuel Juan Cordeiro Piacentini entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter decisão da Corte de extraditá-lo para a Argentina, onde é acusado de atuar na repressão de movimentos que se opunham aos regimes militares na América do Sul durante a Operação Condor, nos anos 1970.
De acordo com a defesa do major, o fato de o acusado estar no Brasil cumprindo prisão domiciliar daria a ele o direito de usufruir dos benefícios previstos na lei brasileira, que ainda vigora, apesar de ter validade questionada no Judiciário. A tentativa do uruguaio é mais um capítulo na saga de insatisfação manifestada por militares, representantes do agronegócio, religiosos e entidades de imprensa à proposta prevista na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos.
Depois dos ataques dos militares ao programa, contrários à flexibilização da Lei de Anistia, ontem foi a vez de o presidente do STF, Gilmar Mendes, se manifestar sobre a proposta e dar o tom dos questionamentos judiciais que podem ser feitos. Para Mendes, o texto elaborado pelo Executivo possui intenções que, se transformadas em lei, podem ser consideradas inconstitucionais. ;Há várias propostas relevantes, mas há outras que geram polêmica, como estamos vivenciando. No que diz respeito ao Judiciário, me chamou a atenção aquela que diz condicionar ou pretender condicionar a concessão de liminar a uma mediação;, analisou.
O presidente fez uma crítica indireta aos mentores da proposta, afirmando que o fato de o programa estar em fase inicial faz com que falte o ;Espírito Santo jurídico;, que nesse caso seria representado por alguém capaz de analisar os textos e as intenções que poderiam, no futuro, ser considerados inconstitucionais.
Defesa
Enquanto o presidente do STF fazia uma análise jurídica das propostas, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara realizava audiência pública em clima de defesa do programa. Na reunião, não faltaram ataques aos críticos dos itens contidos no texto e deferências aos governistas mentores da proposta. O 1; vice-presidente da comissão, deputado Pedro Wilson (PT-GO), sugeriu uma nova audiência para ouvir a versão dos críticos. ;Vamos chamar os torturadores para defenderem seus pontos de vista. Eles puseram muitos capuzes. Quem sabe agora mostram a cara;, disse, durante os debates.
1 - Anistia e discórdia
A Lei de Anistia foi aprovada em agosto de 1979 e perdoava os crimes praticados durante a ditadura, tanto por militares quanto por militantes. Ela foi revisada em 1985, 1988 e em 2002. A discussão agora é pela mudança do texto. Entidades sociais pressionam o STF para que permita que militares que atuaram na repressão sejam punidos. A brecha estava prevista no Plano Nacional de Direitos Humanos e foi o ponto mais criticado pelos militares. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, chegou a esboçar demissão. O presidente Lula preferiu amenizar o texto do decreto. O STF espera parecer do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para discutir o tema.