Jornal Correio Braziliense

Politica

Fim de crise não acaba com todas as polêmicas do Plano de Direitos Humanos

Lula dribla as divergências entre ministros, mas projeto ainda cria insatisfação em setores do agronegócio e representantes religiosos

O Palácio do Planalto considera encerrada a crise gerada pelo terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), publicado em dezembro. Após encontro com os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou, na quarta-feira, um novo decreto, que exclui a expressão ;contexto da repressão política;, que tanto irritou os militares. Mas para diversos setores da sociedade, o plano ainda continua polêmico.

O presidente se limitou a alterar a descrição do trabalho a ser realizado pela Comissão Nacional da Verdade, cuja tarefa passa a ser ;examinar as violações de direitos humanos; praticadas no período da ditadura militar (1964-1985). O novo decreto foi publicado ontem no Diário Oficial da União. O extenso conteúdo do PNDH, no entanto, voltou a ser alvo de críticas.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por meio de nota, afirmou que, apesar da mudança, ;foram mantidas as ameaças às instituições democráticas, ao Estado de Direito e à liberdade de expressão;. O texto é assinado pela presidente da entidade, senadora Kátia Abreu (DEM-TO).

Invasões
Setores do agronegócio contestam um dispositivo do decreto que prevê mudança no processo de reintegração de terras invadidas. De acordo com o documento, um projeto de lei pode ser criado para priorizar audiências coletivas entre os envolvidos antes da concessão de medidas liminares para a reintegração de posse. O que, na prática, pode retardar a saída dos invasores.

Outra questão polêmica refere-se ao apoio a um projeto de lei para descriminalizar o aborto. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criticou esse posicionamento, além de se mostrar contrária à proibição do uso de símbolos religiosos em locais públicos. ;São exatamente essas posições antagônicas que permitem que a gente possa construir o caminho do meio na elaboração do projeto e na discussão dentro do Congresso Nacional;, rebateu o presidente Lula, na quarta-feira. Diante da polêmica, o Legislativo, ainda em recesso, já começa a se mobilizar. O deputado do PSDB Eduardo Gomes (TO) pretende instalar uma comissão na Casa para analisar o texto do programa.

Apesar das críticas de alguns setores da sociedade, diversas entidades aprovaram o conteúdo do plano. Ontem, dezenas de grupos e militantes de direitos humanos protocolaram, no escritório da Presidência da República em São Paulo, uma carta de apoio ao documento. Os manifestantes exibiam cartazes com fotos de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. ;Quando você faz uma conferência nacional ; e nós já fizemos 63 ; na qual você envolve todos os segmentos da sociedade além de 20, 30 ministros, é bem possível que o resultado tenha várias divergências;, reconheceu o presidente Lula, em entrevista coletiva na última quarta-feira. Lula minimizou o mal-estar entre os ministros Jobim e Vannuchi e elogiou o trabalho de ambos.

Antes de viajar para o Haiti, o ministro da Defesa se limitou a dizer que o novo decreto atendia a demanda dos militares. Vannuchi, entretanto, preferiu não dar entrevistas. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos volta ao trabalho na próxima semana.

; Entenda o caso
Ameaças de demissão


A polêmica sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) teve início com a notícia de que o ministro Nelson Jobim e comandantes das Forças Armadas entregaram carta de demissão ao presidente Lula devido ao conteúdo do documento. Eles apontavam um tom ;revanchista; ao decreto, que previa a criação de uma Comissão Nacional da Verdade para apurar e esclarecer crimes de violação dos direitos humanos praticados no ;contexto da repressão política;.

Coordenador do plano, cujo conteúdo foi discutido em 27 conferências nacionais, o ministro Paulo Vannuchi também levantou o tom e ameaçou deixar o cargo caso o teor do documento fosse alterado. Instalado o conflito, foi necessária a atuação do chefe de gabinete Gilberto Carvalho para se obter um consenso.

Carvalho se reuniu com Vannuchi e Jobim para selar um acordo antes do encontro dos ministros com o presidente Lula, na manhã da última quarta-feira. E o governo conseguiu apaziguar os ânimos apenas retirando o termo ;contexto da repressão política;.

Este não é o primeiro plano de direitos humanos elaborado pelo Executivo. Outros dois textos semelhantes foram publicados durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1996 e em 2002. (FF)