Transformar a colcha de retalhos que hoje é a proposta de reforma de Judiciário em algo que efetivamente signifique uma melhor prestação de serviço à sociedade é o desafio de legisladores e administradores. Mas tudo está longe do fim. A queda de braço entre os próprios magistrados, e ainda com os poderes Legislativo e Executivo, ajuda a complicar o problema, que tem a dimensão mais visível com os números brasileiros. No país, são 16 mil juízes nas justiças estaduais e federal para atender uma população hoje de 180 milhões de habitantes com as mais diversas demandas.
Para dar apenas um exemplo, no estado de Minas Gerais, com 853 municípios, Cambuquira, cidade turística no Circuito das Águas, está há mais de três anos sem juiz. Para o presidente da Ordem dos Advogados de Minas (OAB/MG), Raimundo Cândido, o grande entrave da reforma do Judiciário está na falta de vontade política do Legislativo em promover a modernização do poder. "Os políticos não querem o Judiciário forte porque muitos deles são réus em processos e seriam vítimas dessa agilidade", aponta Cândido.
Uma afirmativa que encontra sustentação quando se analisa, por exemplo, o caso dos suspeitos de envolvimento com a máfia dos Sanguessugas - venda de ambulâncias superfaturadas -, que tinha participação de deputados e prefeitos. O grupo agia desde 1999 e a tramitação dos processos é tão lenta que somente agora as denúncias criminais do Ministério Público estão sendo recebidas. Levantamento do Ministério Público Estadual demonstra ainda que, dos 853 prefeitos mineiros, 411 são investigados, na maioria dos casos por fraude em licitação, superfaturamento, desvio de verba e improbidade administrativa.
Imbróglio
Para se ter ideia das inúmeras propostas de lei e emendas constitucionais em tramitação na Câmara dos Deputados para mudar o Judiciário, basta acessar a página da Secretaria de Reforma do órgão, encravado na estrutura do Ministério da Justiça, criado pelo governo Lula, para dar ordenamento no imbróglio. As propostas vão desde o tempo de duração do mandato do ministro do Supremo Tribunal Federal até a mudança de competência dos juízes eleitorais.
Com a experiência de quem vive na carne o problema, o presidente da Associação Mineira dos Magistrados (Amagis), Nelson Missias, afirma que a dificuldade está nos ouvidos de mercadores que se fazem quando as propostas partem do próprio poder Judiciário, especialmente aquelas apresentadas pelos juízes de 1ª instância, a base da pirâmide da Justiça. "Nunca somos ouvidos e, no entanto, somos quem está em contato direto com a sociedade. Portanto, aqueles que conhecem de perto do problema", afirma Missias.
Fracasso anunciado
O presidente da Associação Mineira dos Magistrados (Amagis), Nelson Missias, também não titubeia ao apontar o dedo para a responsabilidade do Executivo no fracasso das iniciativas de melhoria. "O Estado é o primeiro que deveria dar o exemplo. Para oferecer um acesso maior, deveria, entre outras coisas, abrir mão da contagem de prazo em quádruplo para se contestar ação, em dobro no caso de recursos e ainda a revisão necessária das sentenças", defende Missias.
Com a responsabilidade de quem deve elaborar e aprovar justamente novas regras para o Judiciário, o deputado federal Maurício Rands (PT-PE) aponta o dedo na direção contrária e diz que o lobby de setores da Justiça é o grande entrave para que ocorram mudanças. Garante que são os próprios integrantes do Judiciário que têm dificultado a reforma. "São muitos os conflitos internos com embates sérios entre os juízes e ministros dos tribunais superiores. Também os advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, apresentam posições conflitantes. É o lobby de cada categoria em detrimento do todo."
Na avaliação de Rands, a reforma vem avançando e destaca como um passo a Emenda Constitucional 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça. "Atualmente, o poder tem assumido uma prática perigosa que é o ativismo judicial. Eles querem substituir o Legislativo e Executivo, fazendo e executando leis."