O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, precisou ontem de muito jogo de cintura para enfrentar o constrangimento de ter sido vítima de um apagão. Empolgado ao descrever o caso de ;sucesso; do Brasil, que conseguiu rapidamente deixar a crise mundial para trás, ele quase foi obrigado, por falta de luz, a interromper a sua palestra durante a posse de Moacir Zanatta na presidência do Instituto Brasileiro de Executivos e Finanças do Distrito Federal (Ibef-DF). ;Vou continuar falando para não dizerem que eu interrompi minha fala por causa da falta de luz;, disse, tentando quebrar o mal-estar.
A queda da energia durou pouco mais de 10 minutos, mas foi o suficiente para provocar queixas dos quase 100 convidados que se espalhavam por mesas de um dos mais requintados restaurantes de Brasília. ;Que vergonha. Mas é bom que isso aconteça com uma autoridade, para que o governo se conscientize da importância de melhorar o sistema de distribuição de energia;, afirmou um dos presentes. ;Está ficando feio esse negócio de falta de energia. A falta de luz está virando rotina, um sinal de que algo está muito errado;, complementou outro convidado.
Hora de investir
Indagado sobre qual era a sensação de ter sido vítima de um apagão, o presidente do BC não teve como fugir do assunto. Para ele, agora que deixou a crise para trás e está crescendo a uma taxa anual de até 6%, o Brasil terá que ampliar os investimentos em infraestrutura para garantir o desenvolvimento sustentado. ;Não há dúvida de que um dos grandes desafios do Brasil é continuar os investimentos em infraestrutura, energia e transportes. Mas também será preciso mais investimento em capital humano, em educação e em saúde. Esses são os próximos passos. O Brasil hoje está com a economia forte. Temos que trabalhar nas próximas décadas no fortalecimento da estrutura física e humana;, frisou.
Na opinião de Meirelles, o país passa por um momento muito favorável, pois deixou de se preocupar com a próxima crise para discutir o crescimento e os desafios de longo prazo. ;Isso é positivo e saudável para a economia brasileira. É um período privilegiado para nós;, assinalou. Mas é importante ressaltar, segundo ele, que nem todos os problemas estão resolvidos. ;Há muito por ser feito. O importante é que estamos discutindo esses problemas (entre eles, o risco de apagão);, complementou.
Bahia e Rio ficam sem luz
Um apagão atingiu 81 municípios das regiões sul e sudeste da Bahia entre a noite de terça-feira e a madrugada de ontem, deixando cerca de 420 mil imóveis sem luz. De acordo com a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba), a interrupção no fornecimento de energia durou das 23h26 às 0h18 e foi causada por um defeito num dos transformadores da Subestação de Funil, da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), em Ubaitaba, 450 quilômetros a sudoeste de Salvador. No Rio de Janeiro, partes do município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e sete bairos da capital ficaram sem luz devido às chuvas que atingiram o estado no início da noite de ontem.
Linhas de Furnas serão reforçadas
Alana Rizzo
Quinze dias depois do apagão que deixou 18 estados e o Distrito Federal sem energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou, ontem, o reforço nas linhas de transmissão de Furnas Centrais Elétricas. O repasse de R$ 1.219.665,89 será destinado às usinas de Rio Grande, na divisa de Minas Gerais e de São Paulo. As ampliações na rede preveem a substituição de trechos dos cabos para-raios em três pontos: Estreito, Luiz Carlos Barreto e Mascarenhas de Moraes. A Aneel e Furnas alegam que os investimentos não têm relação com o blecaute e já estavam previstos no cronograma da Consolidação de Obras de Rede Básica e de Fronteira (2009/2011).
O relatório elaborado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em 2009 sugere as obras necessárias para melhorar os sistemas de transmissão considerados necessários. O primeiro documento encaminhado à Aneel só incluía a obra de Mascarenhas de Moraes. A recomendação era de que até maio de 2010 fosse trocado o arranjo do setor. O documento afirma que a aquisição, construção e montagem de 11 chaves para a subestação seriam adequadas aos reforços autorizados e que ampliam a capacidade de atendimento, evitando o corte de carga nas intervenções. Em maio, esse documento foi atualizado, incluindo as demais obras de Furnas.
Temendo novo apagão, a Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão (SRT) aprovou os reforços. A justificativa é de que as obras ;são importantes para evitar descontinuidades de suprimento na Região Sudeste, eliminando pontos críticos levantados pelos estudos de planejamento;, garantindo, segundo o texto, ;o bom desempenho do sistema;.
O ONS recomendou ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Aneel, no Plano de Operação Estratégica deste ano, o acompanhamento do cronograma de oferta de energia nas usinas e incluiu as obras no Plano de Ampliação e Reforços (PAR). Esses pontos também foram alvo de auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontaram irregularidades nos processos licitatórios e na contratação de pessoal. Segundo a equipe técnica, não houve justificativa para a prática de terceirização nas atividades administrativas da usina.
De acordo com o TCU, as obras no empreendimento têm por objetivo recuperar a confiabilidade operacional dos geradores, que operam comercialmente desde 4 de setembro de 1969, bem como a atualização tecnológica dos sistemas e equipamentos da hidrelétrica, a qual tem capacidade geradora instalada de 1.050MW. A execução do projeto teve início em maio de 2005 e o término previsto é para fevereiro de 2010. O total de investimentos previstos está em R$ 411,5 milhões.
Manutenção
Especialistas ouvidos pelo Correio defendem, como única alternativa para evitar novos blecautes, os investimentos em manutenção de linhas de transmissão. De acordo com o professor da Universidade de Brasília (UnB) Ivan Camargo, esses pontos não podem apresentar falhas, pois são capazes de desequilibrar o sistema. ;Era de se esperar que o governo investisse em Furnas;, comenta, lembrando que as avaliações técnicas apontam para a necessidade de reforço. ;As linhas de transmissão merecem atenção das políticas públicas de energia, já que diminuem os riscos de apagão como aquele que vimos recentemente.;
Memória
Alertado desde 2004
O Correio mostrou, no início de novembro, que o governo já sabia, desde 2004, do risco de apagão nas regiões onde o incidente ocorreu, mas nada foi feito para impedir o blecaute. E não foi por falta de aviso. O Tribunal de Contas da União (TCU) e o próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já tinham alertado, diversas vezes, que as linhas de transmissão que levam a energia elétrica gerada pela usina de Itaipu até São Paulo precisavam de investimentos urgentes. Caso contrário, não suportariam o aumento de sobrecarga se duas das três torres que fazem a transmissão de energia nos locais fossem afetadas por ventos fortes e tornados, comuns naquela região. Os órgãos se referiram, especificamente, aos trechos de Ivaiporã (PR) a Itaberá (SP) e Itaberá a Tijuco Preto (SP), que são exatamente os mesmos que originaram o apagão que acabou atingindo 18 estados brasileiros neste mês.