Jornal Correio Braziliense

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TCU aponta irregularidade na compra de 920 peças, em 2002, pelos Correios

Responsáveis pela operação terão de devolver R$ 1,1 milhão à União

Cofres são usados para guardar dinheiro ou objetos de valor, mas também podem ser utilizados para desviar recurso público. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades na compra de 920 cofres da empresa Comam pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), no valor de R$ 4,5 milhões, em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Ficou comprovado que os equipamentos não atendiam às especificações técnicas constantes do edital de licitação. Com isso, foram recebidos produtos com qualidade inferior e que não correspondiam às necessidades dos Correios. Após sete anos de investigação, a Comam e três ex-diretores da estatal foram condenados ao pagamento de cerca de R$ 1,1 milhão aos cofres públicos.

Durante a investigação do TCU, o então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, afirmou que a ECT havia ;comprado uma Ferrari e levado um fusquinha;. Pouco tempo depois, Marinho foi flagrado recebendo propina num vídeo produzido por empresários interessados em negócios com os Correios. O escândalo detonaria a CPI dos Correios, que acabou revelando o pagamento de mesadas a parlamentares de partidos da base governista, incluindo o PT.

Os cofres comprados pelos Correios são equipados com fechadura eletrônica de retardo. Já nas análises preliminares, os auditores apontaram que a ECT aceitou os equipamentos sem a certificação de qualidade prevista nas especificações técnicas. Os cofres entregues apresentavam graves falhas que não foram detectadas nem à época da produção nem no momento do recebimento do produto. Também foi apurado superfaturamento dos preços cobrados pela Comam para prestar serviços de assistência técnica. Foi aberta tomada de contas especial (TCE) para apurar as responsabilidades pelas fraudes e providenciar os ressarcimentos devidos. Foram periciados nove cofres pela área técnica da ECT.

[SAIBAMAIS];O fato configurou fraude à licitação;, diz a auditoria do TCU. Foram considerados responsáveis pelas irregularidades o chefe de Departamento de Contratações e Administração de Contrato (Decam), Adauto Tameirão; o chefe do Departamento de Infraestrutura (Deinf), Luiz Sacoman; e o chefe do Departamento de Patrimônio e Suprimentos (Depas), Hélcio Freire de Abreu. Inicialmente, todos foram citados pelo valor integral dos pagamentos feitos pela ECT (R$ 4,5 milhões).

Culpa comprovada

No voto apresentado ao plenário do TCU, o ministro-relator, Walton Alencar, informou que o débito apontado à empresa e aos ex-diretores corresponde à diferença entre o valor contratual pago e o resultado da avaliação feita por comissão da ECT, acompanhada por engenheiro do tribunal. A Comam foi condenada por ter fornecido produto de qualidade inferior à contratada, com vícios insanáveis e imperceptíveis à mera inspeção visual, mas comprovados a partir da destruição completa de amostra.

Sindicância feita pelos Correios apurou que o Depas ;concorreu para que a ECT recebesse cofres fora da especificação técnica contratada, fato que gerou prejuízos financeiros;. Segundo o relator, o chefe do Depas tinha ciência dos fatos e deveria ter adotado providências efetivas para evitar o recebimento dos cofres. Acrescenta que ;não há necessidade de se comprovar que tais agentes públicos tenham agido com dolo ou que tenham auferido algum benefício para serem condenados em solidariedade com a empresa beneficiária, bastando a caracterização da culpa, reconhecida pela unidade técnica;.

A condenação dos ex-diretores dos Correios e da empresa Comam é mais uma demonstração da lentidão do processo de julgamento do TCU. Em alguns casos, demoram até 10, 15 anos. A licitação para a compra dos cofres ocorreu em 2002, mas a decisão final aconteceu somente na quarta-feira da semana passada. Nesse processo, foram proferidos cinco acórdãos (decisões de plenário).

Corrupção
O vídeo gravado por empresários mostra o momento em que Maurício Marinho recebeu um pacote com R$ 3 mil de propina, a título de adiantamento. O chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios faria parte de um esquema coordenado pelo então diretor de Administração, Antônio Ozório Batista, ligado ao presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson. No dia seguinte à publicação do fato, Marinho foi afastado do cargo supostamente por motivos de saúde. Ele disse ser vítima de ;armação;. Depôs à Polícia Federal e foi indiciado por crime de corrupção passiva e fraude em licitação.

Condenação rechaçada
Em sua defesa, a Comam afirmou que a ECT não fez o treinamento dos funcionários para o uso correto do equipamento, o que só teria ocorrido 23 meses após o recebimento dos cofres, acarretando erros de operação e elevado número de visitas de assistência técnica. A empresa argumentou que foram arrombados ;apenas; nove cofres de um total de 920 e que a ECT não teria adotado medidas de segurança, como a fixação do cofre ao solo e a ligação dos equipamentos a um sistema de monitoramento central. Contestou ainda a afirmação sobre a ;Ferrari; e o ;fusquinha;, afirmando que ;os Correios não compraram Ferrari, e a Comam não entregou fusquinha;.

Já Adauto Tameirão alegou que a certificação de qualidade não caberia diretamente ao seu departamento, mas às áreas operacional e técnica, sendo restrita sua competência a receber, arquivar e controlar documentos. Hélcio de Abreu tentou eximir o seu departamento de qualquer responsabilidade, afirmando que caberia ao Deinf, como órgão detentor do conhecimento técnico, orientar o órgão gestor no sentido de que os cofres não fossem aceitos, e ao Decam não aceitar o produto entregue. Luiz Sacomam disse que a competência do Deinf restringiu-se a definir as especificações técnicas no edital e proceder às inspeções dos protótipos nas fábricas. Acrescentou que a responsabilidade pelo recebimento dos cofres cabia às diretorias regionais.