O governo brasileiro está despreparado para garantir a segurança hídrica do semiárido nordestino diante dos cenários de mudanças climáticas, que apontam para a falta de chuva, altas temperaturas e escassez de água em várias regiões do mundo. Auditoria operacional do Tribunal da Contas da União (TCU) concluiu que as atuais políticas e ações de governo não consideram os possíveis impactos das alterações no clima. A prioridade do governo Luiz Inácio Lula da Silva seriam as obras de grande porte nos maiores centros. Os recursos destinados às populações dos sertões correspondem a 0,82% das verbas destinadas às grandes obras.
A auditoria aponta que o déficit hídrico para consumo humano no semiárido seria resolvido com metade dos recursos destinados às obras de transposição do Rio São Francisco. Isso seria alcançado com cerca de 530 obras de pequeno e médio porte, que continuarão sendo necessárias depois de concluída a transposição. Cerca de 70% das águas da transposição serão destinadas à irrigação e 26% para consumo urbano e industrial. Sobram apenas 4% para o consumo humano. Ainda assim, grande parte da população difusa, localizada nos rincões mais remotos, corre o risco de não ser atendida.
A investigação decorreu de compromisso assumido pelo TCU, juntamente com cortes de contas de 13 países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália, de participarem da Auditoria Global Coordenada em Mudanças Climáticas. O objetivo é incentivar a mudança de postura dos governos em relação ao tema. Nas reuniões de planejamento, nas cidades do Cabo, África do Sul, e Oslo, Noruega, ficou definido que seriam avaliadas as ações dos respectivos governos nas áreas de adaptação de impactos e desenvolvimento de tecnologias.
Realidades
O semiárido brasileiro abrange 1.162 municípios em 10 estados, numa área maior do que os territórios de Portugal e Espanha. A região é habitada por 22 milhões de pessoas, sendo 12 milhões no interior dos municípios. A renda per capita e a expectativa de vida são as menores do país, enquanto as taxas de analfabetismo são as maiores. E o quadro tende a piorar. Pesquisadores afirmam que, em 2050, o Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste será 13% menor com o impacto das mudanças climáticas. Isso representará uma perda de R$ 36 bilhões e implicará na redução de 6% dos empregos. O Ceará seria o estado mais prejudicado, com a redução de 80% da disponibilidade de terras para produção agrícola.
A auditoria concluiu que a falta de políticas visando o fornecimento de água de boa qualidade e a estruturação socioambiental da região poderá levar as populações rurais a situação de risco. Na análise do orçamento público para o Nordeste reservados ao fornecimento de água, os auditores identificaram R$ 7,5 milhões destinados às populações difusas do semiárido. Por outro lado, os recursos previstos para grandes obras, como açudes, barragens, adutoras, canais somam R$ 917 milhões.
Descontinuidade
Além dos escassos recursos empregados, muitas das ações se perdem pela descontinuidade. A auditoria cita que as pequenas barragens, cisternas de captação de água da chuva e poços artesianos, modelos já adotados anteriormente, não se encontravam dentro de programas nacionais. Vinham sendo executados por estados e prefeituras por meio de convênios, de forma desarticulada, sujeitando-se a interrupções na execução na troca dos administradores. Os auditores constataram a existência de grande número de poços artesianos abandonados e muitas cisternas subaproveitadas. Outra falha apontada é a deficiência no tratamento de esgoto sanitário na região.
Na série "O sertão que o PAC esqueceu", publicada no Correio, em junho deste ano, a reportagem encontrou cisternas abastecidas pelos velhos carros-pipa nas regiões de Xingó (AL) e Chapada do Araripe (PE). O Canal do Sertão (AL) vai beneficiar mais o agreste do que propriamente o sertão. A obra se arrasta há 17 anos, com longas paralisações, provocadas por fraudes e falta de recursos orçamentários. A série mostrou que o Programa de Aceleração do Crescimento prioriza os investimentos nas capitais e regiões mais próximas ao litoral, reservando escassos recursos para os sertões, onde falta água, trabalho, terra, cidadania.
Alertas
Especialistas afirmam que, com o aquecimento global, num futuro próximo, as secas podem se tornar ainda mais frequentes no Nordeste, podendo se tornar permanentes. Isso pode acelerar o surgimento de desertos, transformando áreas semiáridas em áridas. A caatinga tende a ser substituída por uma vegetação mais rala, o que aumentaria as taxas de evaporação, reduzindo a disponibilidade hídrica e inviabilizando a presença humana na região. Isso provocará o êxodo dessa população para os centros urbanos.
Desenvolvimento
Além dos escassos recursos orçamentários e da falta de planejamento estratégico do governo, o TCU aponta a deficiência no tratamento de esgoto sanitário, com a consequente contaminação dos mananciais, como mais uma falha no esforço de garantia hídrica para o semiárido nordestino. Em todo o país, dos 4.097 distritos com coleta de esgoto sanitário, apenas 33,8% fazem o tratamento dos detritos. No Nordeste, o percentual cai para 27%.
Em Sergipe, apenas 16% dos domicílios contam com coleta e tratamento de esgoto.