O governo federal pagou, desde 2003, cerca de R$ 2,6 bilhões em pensões e indenizações aos anistiados políticos que sofreram perseguição durante o regime militar, perderam emprego e têm direito à reparação econômica. Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), coletados pelo site Contas Abertas a pedido da Agência Brasil.
De acordo com o Siafi, até a última segunda-feira (24) mais de R$ 1,5 bilhão foram pagos em indenizações e mais de R$ 1 bilhão foram destinados ao pagamento de pensões. Os valores pagos têm subido ano a ano. Em 2003, as indenizações somaram R$ 7,6 milhões. No passado, o valor foi de R$ 507 milhões.
O pagamento de pensões também cresceu a cada ano. Em 2005, quando há o dado mais antigo registrado, as pensões somaram R$ 132 milhões. Em 2008, o valor foi de, aproximadamente, R$ 507 milhões. Neste ano, já foram pagos R$ 110 milhões em pensões e mais R$ 209 milhões em indenizações.
O valor somado das indenizações e das pensões é aproximadamente 66 vezes maior que o valor pago às famílias das pessoas que foram assassinadas durante a ditadura.
De acordo com a Comissão de Mortos e Desaparecidos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, foram gastos R$ 39 milhões com indenizações a 356 parentes. A indenização é paga uma única vez e não há pagamento de pensão. Os valores individuais das indenizações pagas aos parentes de vítimas da ditadura vão de R$ 100 mil a R$ 152 mil.
Na avaliação da presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia Alice Schmidt de Almeida, há distorções entre as leis que regulamentam a reparação econômica aos anistiados (Lei n; 10.559, de 13/11/2002) e as indenizações dos parentes das vítimas (Lei 9.140, de 4/12/1995). ;O que houve no Brasil foi um crime contra a cidadania. As pessoas deveriam ser indenizadas igualmente. A questão não era trabalhista. É por isso que um morto e desaparecido acaba sendo menos valorizado do que alguém que perdeu emprego ou foi impedido de trabalhar;, compara.
Para a cientista política Glenda Mezarobba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ;há um equívoco muito grave. É óbvio que o maior bem que uma pessoa tem é a própria vida. Jamais alguém que foi perseguido político poderia receber mais que o familiar de alguém que perdeu a vida;. Em sua opinião, o teto das reparações econômicas deveria ser a indenização aos parentes dos desaparecidos, cujo valor médio é de R$ 120 mil.
Glenda ressalta que não quer ;desmerecer o problema da perseguição política;, mas chama a atenção para o ;efeito simbólico;. Segundo a cientista política, ;o Estado brasileiro sinaliza que as perdas econômicas constituem algo mais importante que o direito à vida, à integralidade física, à segurança. Não poderíamos trabalhar com esses valores. A violência continua presente na sociedade brasileira;.
Para Criméia, há um acordo silencioso em favor da impunidade. ;Entre os legisladores e os que julgam as leis parece haver uma tendência a preservar a impunidade. Essa questão dos torturadores parece que teve um acordo de silêncio, um acordo de impunidade, porque, até hoje, não se conseguiu condenar nenhum torturador;, critica.
;O que queremos é esclarecer as circunstâncias da morte, saber quem são os responsáveis. A indenização seria em função disso. Mas, no Brasil, a coisa foi de trás para frente;, lamenta.
Para Criméia, quem deveria pagar as indenizações seriam os torturadores e mandantes. ;Esse mesmo Estado que pede desculpas por meio da anistia continua pagando soldos aos torturadores. Porque não pede esses valores àqueles que torturaram? Isso é que é pedir desculpas. Não traria nenhum prejuízo ao Estado.;
Veja abaixo a tabela com os valores pagos em pensões e indenizações de 2003 até hoje:
Reparação aos anistiados políticos
Ano Valores pagos Total
Pensões Indenizações
2003 - 7.688.427,27 7.688.427,27
2004 - 38.379.712,59 38.379.712,59
2005 132.933.047,30 114.064.674,29 246.997.721,59
2006 187.675.197,18 231.338.699,03 419.013.896,21
2007 262.017.684,76 426.630.570,56 688.648.255,32
2008 349.923.837,03 507.205.524,64 857.129.361,67
2009* 110.855.124,03 209.287.268,20 320.142.392,23
Total 1.043.404.890,30 1.534.594.876,58 2.577.999.766,88
* Números computados até 24 de agosto.