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Politica

Ao optar por Duprat como vice, procurador-geral da República sinaliza a chancela de ações polêmicas da colega

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, assumiu o cargo na quarta-feira após um período de decisões polêmicas do Ministério Público Federal. Nos 22 dias em que chefiou interinamente a instituição, a subprocuradora Deborah Duprat provocou o Supremo Tribunal Federal (STF) a se posicionar sobre questões como o reconhecimento do casamento homossexual e o aborto de feto anencéfalo (veja quadro). Gurgel terá que, em tese, defender as ações de Deborah na corte. O fato de o novo chefe do Ministério Público ter indicado a colega para ser vice-procuradora-geral da República ; decisão que surpreendeu integrantes da cúpula da instituição ; é sinal de que Gurgel deve chancelar os posicionamentos dela.

;Isso é um ato que mostra afinidade funcional e ideológica entre eles;, afirma o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares. Cada um dos mil procuradores da República tem legitimidade para tomar qualquer decisão, gozando de independência funcional para fazê-lo. Como chefe interina do Ministério Público, Deborah era responsável por atuar perante o STF, ainda que por pouco tempo. A avaliação de magistrados e procuradores é de que não haverá desconforto do novo procurador-geral em defender o posicionamento dela na corte constitucional.

;Gurgel vai delegar à subprocuradora atribuições para que atue lá;, aposta o subprocurador Moacir Guimarães. Para tanto, bastaria que o titular fizesse uma designação especial para Deborah ou, mais fácil, cedesse lugar para que a número 2 do Ministério Público defenda suas manifestações no STF. ;Ela estava no pleno exercício da Procuradoria-Geral, não se omitiu nem retardou tarefas. O que o Supremo tem que fazer é julgar essas ações;, afirma Valadares.

O entendimento jurídico atual é o de que procuradores têm autonomia para suavizar ou potencializar manifestações de outros colegas. Gurgel, por exemplo, pode dar parecer em que pede a improcedência de uma ação proposta por Deborah. Mas nunca retirá-la.

; Debate à vista

Casamento gay
Deborah defendeu o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, de forma a permitir a elas os mesmos direitos e deveres de uniões heterossexuais. O direito, segundo ela, pode ser entendido em princípios estabelecidos na Constituição de 1988. ;Não subsiste qualquer argumento razoável para negar aos homossexuais o direito ao pleno reconhecimento das relações afetivas estáveis que mantêm;, afirmou na ação.

Anencefalia
Em parecer enviado ao STF, a procuradora afirma que o aborto de feto anencéfalo não deve ser criminalizado. Assim, a mulher poderia interromper a gravidez sem autorização prévia da Justiça. Deborah ressaltou o abalo psicológico sobre a gestante e os riscos da gestação de feto anencéfalo.

Drogas
Impedir manifestações a favor das drogas restringe a liberdade de expressão da sociedade, defendeu a procuradora em ação no Supremo. Ela critica a ideia de que a defesa da legalização represente apologia ao crime. Neste ano, por decisão da Justiça, a Marcha da Maconha foi proibida em oito cidades brasileiras.

; A favor dos transexuais




; Memória
Grampos ilegais

Mudanças de posicionamento de procuradores não são incomuns na história do Ministério Público Federal. Chefe do Ministério Público entre 1995 e 2003, Geraldo Brindeiro pediu ao Supremo o arquivamento de uma investigação criminal contra o então senador Antonio Carlos Magalhães por ter feito grampos ilegais na Bahia. Em junho de 2003, Brindeiro não encontrou elementos para denunciar ACM. Quatro meses depois, seu sucessor, Cláudio Fonteles, denunciou o cacique baiano pelos mesmos fatos. Os ministros do STF decidiram arquivar o caso com o argumento de que não se pode mudar determinação anterior. Caso idêntico ocorreu com investigação contra Inocêncio Oliveira (PR-PE), acusado de manter trabalhadores em regime de escravidão numa fazenda dele.