O pagamento de propina com dinheiro vivo em mala virou coisa do passado. Uma perícia da Polícia Federal revela a ousadia do esquema da terceirização de mão de obra em Brasília. Na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o dinheiro escuso é depositado em conta corrente. Um servidor do órgão recebeu R$ 188 mil, distribuídos em 99 depósitos, da Conservo, empresa do ramo de terceirização, na própria conta numa agência do Banco do Brasil. Foram transferidos mensalmente para a conta dele valores entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil num período de dois anos. Em troca deste ;salário;, o funcionário teria facilitado a vida da empresa em licitações dentro da Abin.
O Ministério Público Federal acusa, desde 2006, o servidor Geraldo Luiz Ferreira dos Santos de receber vantagem indevida para fraudar concorrências a favor da Conservo. Não se sabia, no entanto, como e quanto ele teria recebido. O mistério sobre essa ;vantagem; começa a ser desvendado agora em 2009.
Em 25 de março deste ano, a procuradora da República Luciana Marcelino Martins anexou ao processo na Justiça Federal uma perícia da Polícia Federal no sigilo bancário do servidor. O Correio teve acesso ao documento, que mostra depósitos da Conservo na conta de Geraldo dos Santos entre julho de 2004 e junho 2006.
Assistente-administrativo da Abin, Geraldo já é réu numa ação penal sob a acusação de ajudar a Conservo. O servidor da Abin chegou a ser preso pela PF na Operação Mão de Obra, em 2006, foi solto e continua trabalhando no órgão, onde entrou em 1982. ;A análise do sigilo bancário do réu comprovou que ele recebeu das empresas pelo menos o montante de R$ 188 mil;, diz a procuradora em seu ofício de número 81/2009.
Renda única
Em depoimento à Polícia Federal em julho de 2006, quando foi preso, Geraldo declarou ;que não possui nenhum outro tipo de renda; que não seja da Abin. Os advogados dele e do dono da Conservo, Victor João Cúgola, foram notificados na terça-feira passada a ter acesso ao documento da PF. Os dados mostram que o servidor recebia dinheiro em depósitos picados de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil num mesmo mês.
A Conservo Brasília Empresa de Segurança arcou com R$ 136 mil, em 59 depósitos: R$ 26 mil em 2004, R$ 77 mil em 2005 e o restante em 2006. Já o braço de serviços técnicos da empresa creditou R$ 52 mil, por meio de 40 transferências para a conta do servidor, no mesmo período. Os valores podem ser ainda maiores, segundo a perícia da PF: ;Outra constatação a que se chegou foi que, no mesmo arquivo, apareceram alguns depósitos não identificados que podem ser das empresas em análise;, diz o perito responsável pelo laudo. Esses depósitos suspeitos correspondem a R$ 35 mil. Somando esse valor aos R$ 188 mil, o montante que Geraldo dos Santos recebeu no período chega a R$ 223 mil. O Ministério Público Federal pediu o sequestro dos bens do servidor.
Memória
Dezoito indiciados
A Operação Mão de Obra ocorreu em 26 de julho de 2006. Foram mobilizados 170 agentes federais para cumprir mandados de prisão expedidos pela Justiça contra servidores públicos e empresários, entre eles os empresários Victor João Cúgola (dono da Conservo) e José Carlos Araújo (dono da Ipanema). Houve buscas e apreensões de documentos em cinco órgãos federais ; Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ministérios da Justiça, do Trabalho e da Ciência e Tecnologia, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Senado.
A ação teve origem em denúncia sobre fraude em licitações e superfaturamento de contratos desses órgãos com três empresas fornecedoras de mão de obra terceirizada ; Conservo, Ipanema e Brasília Informática. A primeira denúncia lançava suspeitas apenas sobre contratos na pasta da Justiça.
Depois, a investigação abarcou todos os locais em que elas haviam vencido licitações. A PF indiciou 19 pessoas, atribuindo como formação de quadrilha e cartel, fraude licitação e corrupção. Baseada no inquérito a Procuradoria da República no Distrito denunciou 18 acusados à Justiça Federal e acusação foi transformada em ação penal. Tramitam também ações contra elas por improbidade administrativa.
Apenas uma ;consultoria;
Na última sexta, por volta das 13h, o Correio esteve no escritório do advogado Elias Oliveira, que defende o servidor da Abin na ação penal na Justiça Federal. O advogado contestou o resultado da perícia da PF na conta bancária do seu cliente antes mesmo de analisar o documento. ;Há algum erro material nisso, do banco, da PF ou do Ministério Público. Pode colocar aí: essa perícia é equivocada. Meu cliente é inocente;, disse.
Na terça-feira passada, foi inserida no processo a autorização para que a defesa do servidor tenha acesso ao laudo policial. No sábado, após analisar o trabalho da polícia, o advogado voltou a procurar a reportagem. E mudou a versão. ;Esses depósitos tratam-se de consultoria que o Geraldo prestou para a Conservo, ele entende de economia;, disse. ;Vamos contestar isso nos autos;, afirmou.
A Abin informou que Geraldo dos Santos responde a um processo administrativo desde 14 de março. O servidor já passou por uma sindicância, cujo resultado não é divulgado. A assessoria de imprensa do órgão disse que, por questões de sigilo processual, não poderia comentar a descoberta de depósitos na conta do servidor.
A reportagem procurou na sexta-feira os advogados do dono da Conservo, Victor João Cúgola. A informação passada foi a de que estavam em audiências fora do escritório. Um e-mail foi enviado no mesmo dia para eles em busca de uma resposta, mas nenhum retorno foi dado até o fechamento da edição. No ano passado, a Controladoria-Geral da União (CGU) declarou a Conservo inidônea por envolvimento em fraudes em licitações. Desde então, a empresa teve contratos rescindidos e ficou proibida de de fechar contratos com órgãos públicos.