Em meio à polêmica sobre o fim do auxílio-moradia, a Palma Engenharia retomou a reforma de quatro blocos de apartamentos funcionais da Câmara na SQN 302. A empreiteira reiniciou as obras há duas semanas, após conseguir um empréstimo bancário de R$ 1 milhão para comprar material de construção e pagar salários atrasados de cerca de 200 funcionários. A empresa já recebeu R$ 11,5 milhões, previstos em um contrato de R$ 30,2 milhões para a reforma estrutural de 96 apartamentos. A interrupção de dois meses na construção vai atrasar o início da segunda etapa da reforma, ao custo de R$ 44 milhões, num total de 120 unidades. A diretoria de Engenharia da Câmara prevê que a empreiteira da segunda fase, a Valenge, também terá dificuldades para executar os serviços contratados pelo preço oferecido.
A Câmara pretende recuperar os seus 18 blocos de apartamentos, num total de 432 unidades, mas não pode fazer tudo ao mesmo tempo, porque os deputados não teriam onde morar. Isso resultaria num gasto excessivo com auxílio-moradia (R$ 3 mil por deputado). A licitação para a segunda etapa já foi concluída, mas as obras só deverão iniciar no segundo semestre, após a conclusão da primeira etapa. Os moradores dos cinco blocos em obras ocuparão os imóveis recém-concluídos. Mas ainda haverá a recuperação de mais 144 unidades. Pelo ritmo dos trabalhos, a terceira etapa só terá início no segundo semestre do próximo ano.
Os atrasos na obra começaram no fim do ano passado. A empresa ficou descapitalizada, sem recursos para comprar material e pagar funcionários. O ritmo lento nos serviços levou a Câmara a aplicar várias multas pelo não-cumprimento do cronograma, o que gerou novos custos à empresa. A construção deveria ser concluída em maio. O atraso acabou trazendo também despesas em dobro. Pastilhas recém-colocadas começaram a cair, enquanto a base do novo piso externo ficou desgastada pela ação do tempo.
"Preço para ganhar"
Na primeira etapa, o deságio apresentado pela Palma foi de 18%, uma redução de R$ 36 milhões (estimativa de preço da Câmara) para R$ 29,5 milhões (proposta que venceu a licitação). Na segunda etapa, a empreiteira goiana Valenge apresentou um deságio de 21% para vencer a licitação da segunda etapa da reforma dos apartamentos da Câmara. Enquanto a estimativa de preços da Casa ficou em R$ 53,8 milhões, a empresa fez uma proposta de R$ 44,3 milhões. Essa diferença de R$ 9,4 milhões leva a dois raciocínios: ou os preços previstos pela Câmara estavam muito acima do mercado ou a empresa terá sérias dificuldades para cumprir o contrato, como ocorreu com a Palma.
Logo após a conclusão da licitação da segunda etapa, o diretor de Engenharia da Câmara, Reinaldo Brandão, recebeu o dono da Valenge, Fabrício Soares, e avisou: ;Vocês deram um preço baixo;. O empresário reconheceu o fato: ;Temos consciência disso. Entramos para ganhar;. Ele explicou ao diretor a estratégia da empresa: ;Temos obras no valor total de R$ 100 milhões. Temos um poder de compra, um poder de fogo muito grande;, argumentou o empresário.
Em janeiro, Brandão já falava das dificuldades da Palma. ;Eles retiraram todo o espaço de lucro para ganhar a obra. Agora, a empresa não está tendo dinheiro no mercado para tocar a obra. Eles esperam mudar as especificações, conseguir aditivos fabulosos. Mas a fiscalização da Câmara é absolutamente rígida;, avisou o diretor de Engenharia. O dono da Valenge negou ao Correio que esteja trabalhando com preços abaixo do mercado. ;Isso é preço de mercado. Cada empresa tem o seu custo, a sua metodologia de trabalho;, afirmou Soares.
Mesmo após concluir toda a reforma, a Câmara ainda não terá imóveis suficientes para os 513 deputados. Na semana passada, o quarto-secretário, Nelson Marquezelli (PTB-SP), chegou a anunciar que os apartamentos seriam divididos para comportar todos os parlamentares e acabar com o auxílio-moradia. Mas o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), negou a decisão e disse que ainda estuda o tema.
Memória
Despesa de R$ 150 milhões
As duas primeiras etapas da reforma estrutural dos apartamentos funcionais da Câmara vão custar R$ 150 milhões aos cofres públicos. Sem conservação adequada nos últimos 30 anos, os imóveis estavam semidestruídos. Com 225m² de área construída, cada apartamento está avaliado hoje em cerca de R$ 700 mil. O custo médio da reforma vai ficar em R$ 369 mil a unidade na segunda etapa. As instalações serão luxuosas. A compra de 120 banheiras de hidromassagem, com aquecedor, vai gerar despesa de R$ 269 mil. O preço de cada um dos 20 elevadores foi fixado em R$ 111 mil.
A cada legislatura mudam os planos para os apartamentos funcionais. Há 15 anos, foi estudada a venda dos imóveis para os próprios deputados, uma ideia logo descartada. Parte dos deputados defende a devolução dos apartamentos à União. Assim, todos os parlamentares receberiam o auxílio-moradia de R$ 3 mil. Na gestão de Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi decidida a reforma estrutural, já iniciada.
Os primeiros blocos de apartamentos destinados a deputados, na SQS 111, foram construídos em 1969. Os blocos da SQN 302, hoje em reforma, foram concluídos em 1975. A deterioração dos imóveis acentuou-se nos últimos 10 anos. (LV)