Desde que assumiu o cargo de quarto-secretário, o deputado Nelson Marquezelli tem se queixado a pessoas próximas de que passa muito tempo tendo de administrar problemas simples referentes à manutenção dos apartamentos funcionais, como cópias de chaves e chuveiros que não funcionam. ;Como dar conta dos meus projetos como parlamentar, se toda hora tem alguma demanda simples para eu decidir?;, desabafa. O secretário também não está animado com as constantes pressões dos colegas, que sempre têm algum apadrinhado para indicar como morador de um dos imóveis. A insatisfação levou Marquezelli a estudar soluções para ambos os problemas. Ele prepara uma proposta de regulamentação do uso e manutenção das unidades habitacionais da Câmara, que será apresentada aos integrantes da Mesa Diretora em abril.
Entre os itens da proposta está a criação de um condomínio nos prédios ocupados exclusivamente por parlamentares. A ideia é que um dos deputados seja eleito síndico e cuide diretamente dos problemas de manutenção e administração dos prédios. Com isso, as despesas simples como, por exemplo, consertos de fechaduras, deixariam de cair na conta da Casa, passando a ser de responsabilidade do morador do apartamento, ou do condomínio, nos casos de os reparos estarem em áreas comuns. A proposição do quarto-secretário será amparada pelo relatório da equipe da Coordenação de Habitação da Câmara, que vai demonstrar que cerca de R$ 20 milhões são gastos anualmente somente com a manutenção básica dos apartamentos. São despesas decorrentes do uso, como fechaduras, cópias de chaves e consertos simples, que hoje são pagos com dinheiro público.
;A ideia não tem nada demais. A Câmara passaria a responsabilidade da administração para o condomínio e este para cada morador, a depender do caso. Dessa forma, cada deputado seria responsável pela manutenção do apartamento que ocupa e o síndico pela administração do prédio;, explica Marquezelli. ;A mudança resultaria em grande economia para a Câmara e evitaria que a quarta-secretaria tenha de ficar realizando procedimentos burocráticos e demorados toda vez que alguém precisar da cópia de uma chave, por exemplo;, completa.
;Auxílio-mordomia;
A proposta de regulamentação do uso dos apartamentos também deverá tocar em um assunto polêmico: o fim do auxílio-moradia de R$ 3 mil, pago aos parlamentares que optam por não ocupar um dos imóveis funcionais. A ideia de Marquezelli é de que seria possível extinguir o reembolso se a Câmara reformar 100 apartamentos de seis dormitórios ; alguns possuem quatro quartos sociais e duas dependências de empregados ; e transforma-los em 200 imóveis com três quartos cada um. A reforma seria necessária para aumentar o número de apartamentos da Câmara, que hoje é de 432 para atender a 513 deputados. Desses, 207 estão desocupados por falta de condições de uso, mas apenas 96 estão sendo reformados. ;Dessa forma, iríamos gastar mais para tornar os apartamentos habitáveis, mas os cofres públicos iriam recuperar os gastos ao longo do tempo com a extinção do auxílio-moradia. Acredito que essa é uma boa saída para evitar problemas relacionados ao mau uso desse dinheiro.;
Nem mesmo foi apresentado à Mesa, o projeto de regulamentação elaborado pela quarta-secretaria já enfrenta resistências. Ex-ocupante do cargo responsável pela administração dos apartamentos, o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) diz que as hipóteses de extinção do auxílio ou de redução do tamanho dos imóveis não são bem aceitas pelos parlamentares, que preferem a possibilidade de poder escolher como e onde morar, em vez de serem obrigados a ocupar um imóvel da Câmara. ;Não vejo futuro para essa proposta. A maioria dos parlamentares não vai aceitar. Tem gente que mora há anos nos hotéis e não quer sair. Outros, querem ficar nos apartamentos grandes mesmo. Quem vai querer mudar para um menor?;, diz Nogueira. O projeto que regulamenta os imóveis deve ser discutido pela Mesa no início de abril e depois apresentado à imprensa.
No papel
Propostas que serão apresentadas para regulamentar
o uso dos apartamentos funcionais
Criação de um sistema condominial, onde um deputado seria eleito síndico do prédio pertencente à Câmara
Transferência da responsabilidade por despesas de manutenção para cada deputado
Repasse das contas de energia para os parlamentares
Fim do auxílio-moradia
Reintegração da posse dos 38 apartamentos disponíveis hoje para servidores
Redução pela metade dos tamanhos dos imóveis com seis dormitórios
Discursos e nada mais
Todos os deputados que assumiram o comando da Câmara iniciaram um estudo sobre o uso ; ou a falta dele ; dos apartamentos funcionais. Prometendo economia de gastos, muitas propostas já foram discutidas e a maioria colocada na gaveta. Desta vez, o quarto-secretário, Nelson Marquezelli, é quem protagoniza o discurso, apesar de saber que os planos que anuncia dificilmente se tornarão realidade.
Nos corredores da Câmara, integrantes de todos os cleros conversam e convergem em torno da ideia de que mudanças na administração dos apartamentos só causariam prejuízos aos próprios bolsos. Há argumentos de todos os lados. Os parlamentares que utilizam o auxílio-moradia para pagar hotéis não querem abrir mão dos R$ 3 mil mensais a que têm direito, alegando que não têm interesse em administrar uma casa em Brasília. Vale lembrar que parte deles possui imóveis na capital. Deputados que atualmente ocupam uma das 432 unidades habitacionais pertencentes à Câmara também não são simpáticos à possibilidade de mudar as regras porque não querem discutir a chance de terem de pagar do próprio bolso as contas referentes à manutenção básica desses imóveis. Hoje até a troca de uma lâmpada é paga pelos cofres públicos.
Apesar da dificuldade e das poucas chances de o projeto de regulamentação se tornar realidade, discutir propostas de redução de benefícios para deputados sempre rende popularidade e espaço na mídia. Por isso, é certo que os novos integrantes da Mesa Diretora o farão.
O problema ; pelo menos para os brasileiros contribuintes ; é que a única coisa tida como certa por todos os lados dessa discussão é o fato de nenhum parlamentar aceitar perder as benesses que ;conquistaram; ao longo das legislaturas. Afinal, foram anos recheados de acordos, corporativismo e falta total de respeito ao dinheiro público. Diante de conquistas históricas, não importa o que se dirá: a tendência é que tudo permaneça exatamente como está.