O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o vínculo empregatício entre parentes nas repartições públicas compromete os princípios da boa administração é ignorado no Departamento de Recursos Humanos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Nem mesmo a publicação em agosto da súmula vinculante pelo STF proibindo a prática do nepotismo inibiu dias depois um casal de funcionários, que vive como marido e mulher, de passar a trabalhar no mesmo ambiente, a sala 209 do Bloco J da Esplanada. Valeska Popiesz Pinto como chefe de treinamento da Coordenação de Assistência e Desenvolvimento do Servidor. Wilton da Luz Araújo na função de suporte técnico. Ele é funcionário terceirizado, mas está diretamente subordinado à companheira. A situação é expressamente proibida segundo resolução número 7 do Conselho Nacional de Justiça.
O caso foi denunciado anonimamente à Ouvidoria do Ministério do Desenvolvimento no início de fevereiro. Mas até hoje quem perdeu com a história foi a servidora que contou o que sabia. A denunciante, uma ex-funcionária do quadro de terceirizados, foi demitida do emprego quando a coordenadora-geral do setor, Rosângela Maria Vital Rangel, desconfiou da atitude da subordinada. Quatro dias depois de o vínculo de Valeska e de Wilton ter sido relatado para o órgão de controle do ministério, a delatora foi devolvida à firma onde tem contrato de terceirização. Segundo a denunciante, que prefere manter o seu nome em sigilo, Valeska, como chefe do próprio companheiro, dava regalias a Wilton.
;Ela nunca foi rígida com relação a horário e também não cobrava assiduidade. Quando ele faltava, não tinha que se preocupar com atestado;, afirma. Além disso, a ex-funcionária conta que as discussões entre o casal eram constantes na sala onde trabalham outros cinco servidores. Valeska Popiesz é vinculada ao ministério desde 2000. A funcionária começou no emprego como estagiária e em 2003 assumiu o cargo de chefia na Coordenação de Desenvolvimento do Servidor. Wilton também entrou no ministério há quase uma década.
;É mentirada;
O relacionamento entre os dois começou em 2007, quando o casal teve um filho. No ano seguinte, os dois passaram a dividir a mesma sala de trabalho. Segundo Valeska, a proximidade foi uma ;incrível coincidência;, já que alguns funcionários tiveram de ser reacomodados em função de uma reforma interna. Como chefe de treinamento da Coordenação de Assistência do Servidor, Valeska nega qualquer tipo de constrangimento e rebate as denúncias de que tenha se aproveitado do cargo para privilegiar o marido. ;Ele é tratado como todos os outros, não tem nenhum benefício a mais ou a menos. Se falta, tem que apresentar o atestado e não pode chegar atrasado;, rebate a mulher.
A coordenadora-geral de Recursos Humanos, Rosângela Rangel, afirma que não exerceu ingerência na contratação de Wilton da Luz apesar da amizade que tem pelo casal. Segundo Rosângela, o ajuste que resultou no vínculo de trabalho entre Valeska e o marido não passou por ela. ;Os contratos de temporários não são geridos no Departamento de Recursos Humanos. Por isso, eu não influenciei para essa aproximação;, afirma. Rosângela justifica que nunca tomou nenhuma atitude com relação ao casal por entender que não há prática de nepotismo quando uma das partes é servidor terceirizado.
A denúncia, no entanto, resultou na abertura de um processo na Comissão de Ética pública do Ministério da Indústria. O presidente da comissão, João Lucas Rodrigues, diz que o caso está na fase preliminar, já que o órgão pediu documentos ao setor de Recursos Humanos sobre o vínculo entre o casal e aguarda o retorno da repartição. ;Depois que tivermos com todos os detalhes sobre o caso, vamos fazer uma avaliação o mais rápido possível para dar uma resposta se a situação é irregular ou não;, declara João Lucas Rodrigues.
Para saber mais
A resolução número 7 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) procura evitar que casos de nepotismo sejam disfarçados por meio de contratos de terceirização. Segundo o artigo 3º dessa decisão do CNJ, é ;vedada a manutenção de contrato de prestação de serviço com empresa que venha a contratar empregados cônjuges, companheiros ou parentes de ocupantes de cargos de direção e de assessoramento, de membros ou juízes vinculados ao tribunal contratante, devendo tal condição constar expressamente dos editais de licitação;.
A princípio, a proibição publicada em outubro de 2005 foi restrita ao Poder Judiciário. Na época, a ministra Ellen Gracie presidia o Supremo Tribunal Federal (STF) e o CNJ. Mas um questionamento sobre a constitucionalidade da medita feita ao Supremo acabou por estender a vedação a todos os poderes da União, em fevereiro de 2006. De acordo com o promotor de Justiça Ivaldo Lemos, um estudioso sobre os casos de nepotismo, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 12 ampliou a cobertura do critério imposto ao Judiciário: Não se trata de algo apenas para a Justiça, porque a resolução foi questionada no STF, que abalizou a recomendação e conferiu efeito vinculante e ;erga omnes; ; ou seja, vale para todos.