Na complementação da entrevista, o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, fala sobre três temas. Primeiro, o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da lei da anistia. Depois, sobre a participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação Satiagraha, da Polícia Federal. E, por último, a possibilidade de Toffoli ocupar uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Países do Cone Sul decidiram revisar leis que anistiaram torturadores de regimes militares. Por que o Brasil não pode fazer o mesmo ao rever a lei de anistia de 1979?
Primeiro lugar, é importante entender o papel da AGU (Advocacia-Geral da União). A AGU analisa a constitucionalidade das leis. A Constituição determina que a AGU faça a defesa. Temos também a missão de defender o nosso quadro normativo. A Lei de Anistia, de 1979, foi atacada. A AGU defendeu essa lei e a interpretação mais ampla dessa lei, de acordo com o entendimento que já foi aplicado pelos nossos tribunais, os federais, estaduais e militares. A posição da AGU cumpriu um papel constitucional e institucional. Depois, do ponto de vista técnico, quais os argumentos? Essa lei foi pactuada aquela época e exaure os efeitos, então no momento em que ela foi editada já surte seus efeitos. A partir daí, rever essa lei, seria como voltar numa máquina do tempo numa época que não existe mais. Nesse sentido, tecnicamente, não cabe a uma lei posterior ser mais rigorosa do que a lei anterior. A mais rigorosa só pode valer para o futuro e é um princípio dos direitos humanos. Porque senão se criminalizava algo que não era crime. Em 1979, era possível conceder anistia para quem cometeu crime. Hoje, não. Esse são aspectos técnicos e a questão será julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
Dois ministros do governo, o da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, criticaram sua posição.
Eu entendo a posição deles, a posição política a respeito. Eles entenderam a posição constitucional da AGU e é preciso fazer esse debate. Inclusive encaminhamos a posição deles para o Supremo até para subsidiar uma decisão da Corte. Essa definição sobre a amplitude da lei da anistia não cabe ao Poder Executivo fazer e sim ao Judiciário.
O presidente Lula envolveu-se nessa discussão, arbitrando-a?
O presidente Lula não se envolveu nesse debate. Ficou no âmbito da discussão dos ministros. Eu sou de uma família de nove irmãos e eu nunca levei nossos problemas para meus pais. No dia que eu tiver que levar um problema para o ministro, eu tenho que pedir antes demissão. A minha função é levar solução.
Qual a sua opinião sobre a participação da Abin na operação Satiagraha, da Polícia Federal? A defesa tem tentado anular a investigação por causa dessa cooperação.
Não vou responder a essa questão do ponto de vista do caso concreto. Existe um inquérito da Polícia Federal verificando se houve ou não ilegalidades cometidas e se extrapolou competências ou não. Com a abertura de inquérito, essa investigação e esse caso concreto está subjudice. Vou falar em tese sobre o compartilhamento de informações e evidentemente a possibilidade de órgãos de estado atuarem em conjunto. Para se combater o crime organizado e para se fazer a defesa do estado e do cidadão, é importante que os órgãos de estado e os agentes públicos tenham uma relação dentro da legalidade. Se o estado funcionar com cada órgão olhando para o umbigo, o crime organizado vai tomar de conta. O que não pode é que os órgãos atuem de maneira a afrontar a lei, atuem na ilegalidade. Quando ocorre isso, tem que ter inquérito ou sindicância. Se cometeu ilegalidade, vai para fora da corporação. Assim que tem que se fazer. Quem comete ilegalidade, em todos os locais.
O Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) não respaldaria legalmente essa cooperação?
As funções da Abin e da Polícia Federal são distintas. É por isso que precisam ser coordenadas. Se a PF fazer trabalho de inteligência, está cometendo uma ilegalidade. Se um agente da Abin fizer uma investigação policial, está cometendo uma ilegalidade. Ela está saindo de sua competência.
Fala-se muito no seu nome para assumir uma vaga de ministro do Supremo com a aposentadoria do ministro Eros Grau ou eventual saída da ministra Ellen Gracie. O senhor quer ser ministro do Supremo?
Ser ministro do Supremo é uma coisa que você não pede e nem nega. É algo extremamente honroso para se pedir e extremamente honroso para se negar. Eu estou à frente da AGU e, enquanto o presidente me achar útil na AGU, vou continuar. Depois vou voltar para a advocacia, meu projeto é esse. Não é algo que posa se colocar como horizonte de vida. Se vier, é prejuízo (risos).