Jornal Correio Braziliense

Politica

Sarney faz discurso contundente antes da votação que o elegeu presidente do Senado

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José Sarney não pretendia discursar. Não preparou nenhum texto com antecedência. Seus planos eram de uma sessão rápida, partindo diretamente para a votação. Mas o veterano senador começou a se inquietar com a sequência de parlamentares que subiam à tribuna e, para defender Tião Viana (PT-AC), o alfinetavam. Quando a inscrição foi aberta aos candidatos, pediu para falar. Fez questão de dar a última palavra. Marcado pela fama de evitar confrontos em plenário, fugiu a seu estilo e fez um pronunciamento duro. Sarney começou o discurso lembrando de uma coincidência. Exatamente 50 anos antes, no dia 2 de fevereiro de 1959, ele assumiu seu primeiro mandato no Congresso, como deputado federal. Embora tenha feito de sua história parlamentar o mote do pronunciamento, deixou claro que não gostou de ver seu adversário apresentar-se como o candidato da modernização e da renovação do Legislativo. ;Acho injusta a afirmação de que é um retrocesso eu disputar a Presidência do Senado;, disse. ;Não me chamem de um velho que não tem gosto pela inovação;, completou. Principal defensor de Tião Viana em plenário, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), disse que o petista iria limpar o Senado das denúncias de corrupção. A mesma tecla foi batida por outro tucano, Tasso Jereissati (CE), para quem ;a imagem do Congresso está apodrecida;. ;Não concordo quando se fala na imoralidade do Senado;, respondeu Sarney. ;O Senado é os que aqui estão. Reconheço que, ao longo da nossa vida, muitos se tornaram menos merecedores da admiração do país, mas não a instituição.; Logo depois, lembrou: ;Durante a minha vida, passei aqui no Senado e nesta Casa 50 anos. Muitas comissões, vamos dizer assim, muitos escândalos existiram envolvendo parlamentares, mas nunca o nome do parlamentar José Sarney constou de qualquer desses escândalos ao longo de toda a vida do Senado.; E arrematou: ;A palavra ética, para mim, que nunca fui de alardear nada, é um estado de espírito. Não é uma palavra para eu usar como demagogia ou uma palavra para eu usar num simples debate.; Ele se apoderou de algumas das bandeiras dos adversários. Prometeu modernizar o Senado e anunciou um corte linear de 10% no orçamento da Casa para 2009. Garantiu ainda que colocará em votação a reforma política, a tributária e uma proposta para limitar a edição de medidas provisórias. O discurso foi interrompido duas vezes para aplausos. No restante do tempo, os parlamentares ouviram em silêncio absoluto. O único movimento era o da filha dele, a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA). Sem conseguir esconder o nervosismo, ela caminhava pelo plenário. Quando o discurso acabou, ela não conseguiu conter as lágrimas. Em contraste, o pronunciamento de Tião Viana foi morno. Recebeu aplausos protocolares no final. Ouça o novo presidente do Senado, José Sarney: PERFIL - JOSÉ SARNEY Demonstração de força No final de 2008, boa parte do Congresso acreditava que a candidatura de José Sarney (PMDB-AP) à Presidência do Senado era um artifício para pressionar o governo a demitir o ministro da Justiça, Tarso Genro. Nessa época, Sarney conversava quase diariamente com Tarso, para garantir que tudo estava bem entre eles. Não estava. O senador culpou o PT e o ministro pela ação da Polícia Federal contra seu filho, o empresário Fernando Sarney. Mas também não era verdade que a candidatura estivesse à venda, em troca da cabeça de Tarso. Os movimentos de Sarney são mais sutis do que os da maioria dos políticos. Mesmo numa Casa habitada por raposas políticas, como o Senado. O senador conseguiu imprimir seu ritmo à disputa pela Presidência do Senado. Durante meses, negou ser candidato. Como não-candidato, Sarney era quase uma unanimidade. Em casa ou no seu gabinete, recebia apelos para entrar na disputa. Um dos poucos que preferia acreditar em suas negativas era Lula, interessado na vitória do petista Tião Viana. Um cenário possível apenas se o veterano peemedebista não fosse candidato. Quando ele finalmente assumiu a candidatura, Lula foi o único a se dizer surpreendido. Até essa campanha, Sarney tinha a reputação de não entrar em disputas pelo voto em plenário. Essa convicção foi a base da estratégia de Tião Viana. O peemedebista contrariou as expectativas e, em vez de esperar a unanimidade, tratou de construir a maioria. Na sessão decisiva, demonstrou ser bom de plenário. Fez um discurso forte, no qual rebateu as críticas e ganhou força na hora final. A campanha arranhou sua relação com Lula, de quem se tornou muito próximo na campanha de 2003. O presidente sentiu-se enganado e reclamou duramente de Sarney. O senador tomou conhecimento e não gostou. Mas ninguém duvida de que os dois retomarão as conversas hoje, como se nada tivesse acontecido. Sarney é sutil. (Gustavo Krieger)