Depois das discussões públicas sobre a responsabilização dos crimes de tortura do período militar (1964-1985), a Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça, decidiu manter os assuntos polêmicos em pauta ao longo deste ano. Um dos temas que será retomado é o julgamento do pedido ao Cabo Anselmo --personagem controvertido, uma vez que atuou contra o regime e, em seguida, a favor dele.
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, afirmou à reportagem que a inclusão do processo do Cabo Anselmo gera uma série de polêmicas, mas nem por isso o órgão vai fugir à discussão.
"O caso de Anselmo se insere em meio a uma das grandes polêmicas históricas sobre o período da ditadura. Existem posições que sustentam tanto a existência de perseguições políticas, como também há os que sustentam ser o requerente um perseguidor", afirmou Pires Júnior.
Emblemático
O caso do Cabo Anselmo é avaliado como um processo emblemático para a Comissão de Anistia. Segundo o presidente, o assunto é tema de inúmeras reuniões dos conselheiros da comissão, que se dedicaram nos últimos meses ao tema. "Os conselheiros da comissão se dedicam já há alguns meses em buscar uma solução para este caso emblemático." José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, é um ex-militar da Marinha apontado como principal responsável pelo protesto dos marinheiros em 1964. O cabo foi preso, torturado e depois fugiu do país e fez treinamento de guerrilha no exterior.
Ao retornar ao Brasil, Anselmo participou de grupos armados que lutavam contra a ditadura, mas depois, por volta dos anos 70, é acusado de atuar em parceria com o regime militar, obtendo vantagens para isso.
De acordo com Pires Júnior, o processo deverá ser julgado no segundo semestre deste ano. Segundo ele, o advogado do caso reúne documentos pessoais de Anselmo para comprovar a autoria do pedido de indenização à comissão.
Crise
Pires Júnior afastou a hipótese de cortes no pagamento de indenizações em decorrência da crise financeira internacional. Segundo ele, a comissão manterá o mesmo ritmo de atividades dos anos anteriores, mas com o objetivo de zerar as cerca de 21 ações em curso até 2010.
"A crise afeta a todos direta ou indiretamente. Mas é pouco provável que a crise afere os trabalhos da comissão. O comando para reparar os perseguidos políticos está inscrito na Constituição da República e existem, nos ministérios responsáveis pela implementação dos pagamentos, orçamentos próprios para a quitação dos valores", disse.
"Esses valores são dívidas que a União já possui desde 1988, o trabalho da comissão é apenas verificar a existência e a extensão do direito e tornar o mesmo passível de realização", reiterou.
De acordo com Pires Júnior, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva gastou cerca de R$ 100 milhões em pagamentos de indenizações a vítimas e familiares do período da ditadura ao julgar aproximadamente 10.000 ações. Mas, para ele, esses valores são inquestionáveis.
"Essa monta é o somatório de todo o gasto autorizado para indenizar pessoas que sofreram toda a sorte de privação, sofrimentos e tortura por parte de um Estado que as deveria proteger. Muitas dessas pessoas perderam seus familiares, empregos, casas, viveram exiladas", disse.
Para o presidente da comissão, a democracia exige investimentos e, portanto, gastos.