Em Fernando de Noronha, onde passou o fim de ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou os prefeitos que anunciaram cortes de gastos ao assumir os mandatos. Vestindo camisa azul marinho sem mangas, bermudão azul claro e sandálias havaianas, Lula disse que a melhor maneira de os governantes enfrentarem a crise econômica internacional é manter os planos de investimento. A declaração foi malrecebida pela oposição, que acusou o presidente de incentivar a irresponsabilidade fiscal.
;Eu ouvi prefeitos dizendo que vão fazer contenção de custeio;, disse Lula. ;Custeio não é investimento. Agora, se o prefeito tiver uma obra e ele resolver parar, eu pergunto: qual o dinheiro melhor empregado que numa obra? Porque a obra vai trazer benefícios e gerar empregos para a comunidade. Vai gerar renda para o município.; O presidente disse mais: ;Não acho que nenhum prefeito, governador, e muito menos o governo federal, deva parar qualquer obra de infraestrutura. No governo federal, nós vamos combater essa crise internacional fazendo mais investimento, mais ferrovia, mais rodovia, mais escola. Porque é assim que a gente combate a crise.; Lula tem uma reunião marcada com os prefeitos em 12 de fevereiro. O objetivo do encontro é justamente tentar evitar que a crise econômica mundial prejudique as ações governamentais.
A declaração de Lula irritou políticos da oposição. O senador José Agripino (RN), líder do DEM, disse que ;as marolinhas de Fernando de Noronha estão embalando o sonho do presidente;, numa referência à expressão usada por Lula para minimizar a crise há alguns meses. Segundo ele, ;o presidente precisa acordar para a realidade;.
Agripino afirmou que ;o governo que está tentando passar por cima do Congresso para investir no Fundo Soberano não tem autoridade para criticar prefeitos que estão agindo com responsabilidade;. Segundo ele ;as prefeituras vão perder arrecadação com a crise, assim como o governo federal e os estados. Só Lula se recusa a admitir;.
O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), chamou o presidente Lula de ;grande animador;. ;Não se trata de gastar mais ou gastar menos, mas sim o possível;, afirmou, lembrando que os empossados têm que cumprir, primeiro, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, depois, cortar os gastos públicos desnecessários para usá-los como investimentos. O senador deu razão até ao ex-tucano e recém-empossado prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que no primeiro dia de gestão anunciou um corte de R$ 1,5 bilhão nas finanças municipais. ;A prefeitura é a área pública mais perto da sociedade, portanto a mais cobrada;, observa o tucano.
O vice-líder do DEM na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), disse que Lula, ao sugerir que os prefeitos ;não sejam austeros com os gastos;, recomenda ;o atraso no salário do funcionalismo e no pagamento dos fornecedores;. ;Se o presidente quer ser irresponsável, que ele seja sozinho. Não estimule a irresponsabilidade coletiva.; Para o parlamentar, os novos prefeitos estão certos ao assumirem com zelo e, sobretudo, priorizarem os investimentos. Em 1º de janeiro, Aleluia esteve na posse de prefeitos em três municípios no interior baiano, Paulo Afonso, Campo Formoso e Valença, onde, segundo ele, a preocupação com o corte de desperdícios para sobrar recursos para investimentos estava presente.
O deputado afirmou que, em seis anos de mandato, Lula ;governou no piloto automático; beneficiado pela bonança econômica mundial. ;Governar na prosperidade é um ato de comemoração, uma festa;, disse, creditando à economia seu altíssimo índice de popularidade. ;Agora, estamos diante de uma crise, e ele está se mostrando inadequado;, alfineta, chamando-o de ;falastrão.;
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Crença na declaração
O presidente Lula não apela apenas para retórica quando defende a manutenção dos investimentos, como arma dos governantes para enfrentar a crise. Ele realmente acredita nisso. Acredita que o Estado precisa fazer sua parte para manter a economia aquecida e lembra que o celebrado Barack Obama promete fazer o mesmo assim que assumir a Presidência dos Estados Unidos. Mas não é só isso. Lula sabe que a alta popularidade do seu governo depende em muito das grandes obras espalhadas pelo país. Se elas pararem, seus índices nas pesquisas podem cair no mesmo ritmo dos números da economia.
Os prefeitos, por sua vez, também combinam preocupações políticas e administrativas. De um lado, sabem que terão de fechar as contas com uma receita menor que a esperada. Não apenas deve cair a arrecadação de tributos municipais, mas também corre risco de murchar o valor transferido pelo governo federal. Por outro lado, a crise serve de argumento para cortar programas e projetos herdados de administrações anteriores. E também para justificar o eventual atraso ou descumprimento das promessas de campanha. Lula pensa no país e em sua popularidade. Os prefeitos, no município e em si mesmos. Com dinheiro sobrando, era mais fácil conciliar interesses tão diversos. Com o aperto nos bolsos, a relação será mais complicada. (GK)