As fraudes em licitações foram os principais problemas descobertos pelo governo na fiscalização do uso do dinheiro público. As irregularidades não se limitaram, porém, à manipulação dos recursos. Houve flagrantes do descaso de muitas prefeituras com bens e produtos adquiridos. No interior paulista, verba destinada à alimentação de estudantes foi desviada para a compra de fogos de artifícios, cerveja e refrigerantes. No Nordeste, merenda escolar foi armazenada em banheiros públicos e, em uma cidade de Rondônia, professores estocavam carne em casa por falta de geladeiras nas escolas.
Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), grande parte das irregularidades registradas ocorre nas áreas de saúde e educação. Além das fraudes em licitações ; cada vez mais corriqueiras, principalmente em pequenos municípios ;, os auditores investigaram a utilização de produtos e equipamentos adquiridos com verba federal. Para instruir os processos, que muitas vezes resultam em ações judiciais, os fiscais fotografam obras, locais de armazenamentos e produtos adquiridos. E o resultado tem sido surpreendente. "As cenas chocam", diz o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage. "Quando se mostra o estado físico das coisas que estão sendo financiadas com dinheiro público, choca mais do que as fraudes".
Segundo Hage, nas regiões mais carentes ocorrem os principais problemas. No interior da Bahia, os fiscais localizaram centenas de produtos da merenda escolar estocadas em um banheiro, o que tornou o consumo impróprio. "Houve casos em que os alimentos estavam junto com formicida", acrescenta o ministro. Em Heliodora (MG), os recursos para a merenda dos alunos de uma escola pública foram transformados em dindins (suco congelado em saquinhos plásticos).
Os próprios fiscais, durante a auditoria, constataram que os estudantes consumiam o produto. No mesmo local, foram encontrados artigos com prazo de validade vencidos, além de cardápio incentivando os alunos a consumir refrigerantes, em desacordo com as orientações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Animais
Em Teixeirópolis (RO), além dos professores terem que levar carne para casa por falta de geladeira nas escolas, a prefeitura não tem depósitos para a merenda escolar, que era armazenada em caixas, sem o devido cuidado. Na cozinha de uma escola, os auditores verificaram que, por uma janela quebrada, entravam animais, que circulavam por entre os alimentos.
Os levantamentos da CGU indicam que os municípios do Nordeste são os que apresentam o maior volume de irregularidade, que não se restringiram aos produtos de alimentação. No interior da Bahia, os estudantes da zona rural eram levados às escolas sem nenhuma segurança. "O transporte escolar é feito em caminhões, como se pessoas fossem gado", afirma Hage. Em Camamu (BA), alunos utilizavam caminhões de carrocerias abertas, com motoristas sem habilitação, enquanto que o ônibus destinado aos alunos carrega passageiros comuns.
Flagrantes
Sem cuidado
# Numa escola de Teixeirópolis (RO), a janela quebrada da cozinha permitia que animais entrassem e circulassem sobre a pia, mesa e todo o material usado para preparar a alimentação dos alunos. A carne era armazenada na casa de uma professora por falta de geladeira no colégio
Cerveja
# Em Cunha (SP), a prefeitura adquiriu cerveja e fogos de artifício com recursos destinados à compra de merenda. Foram comprados também materiais de limpeza, pilhas e refrigerantes
Fora do prazo
# Em Heliodora, no interior mineiro, os fiscais encontraram alimentos com validade vencida e 60 envelopes de preparado sólido artificial para refresco e nove saquinhos dessa bebida congelada (os dindins)
Cadê o frango?
# Em Araguapaz (GO), o frango sumiu. A CGU constatou que quase 700 quilos de frango congelado, supostamente comprados pela prefeitura, não foram incluídos na merenda distribuída nas escolas públicas do município