Frei Chico no filme "Perdão Mr. Fiel"[VIDEO1] [VIDEO2]
Como você ficou sabendo da morte de Manoel Fiel Filho? Fiquei sabendo pelos jornais. Depois, a gente se comunicou com os companheiros antigos do partido (Partido Comunista Brasileiro). A repercussão na imprensa não foi tão grande como a do Herzog, mas para nós foi muito pesado. Na nossa cabeça, a repressão tinha diminuÃdo, em virtude da pressão que houve por causa da morte de Herzog. Mas aÃ, de repente, morre mais um operário. Foi complicado. Ele era militante do PCB? Qual era a presença dos comunistas nos sindicatos? Eram poucas pessoas, mas representativas. Era um pessoal mais qualificado, que fazia todo esforço para organizar os trabalhadores. Eram poucos por empresa, mas ativos. Tinha companheiros na Mercedes, na Ford, na Wolkswagen, na Confab, na GM e outras fábricas no ABC e da Grande São Paulo. O pessoal se reunia e discutia como se colocar nas assembléias, se preparava melhor. Quando começaram as prisões no ABC? Começaram logo após o golpe militar de 1964. Houve prisões em 1967; depois, em 1970, na Wolkswagen. Os companheiros iam para as assembléias nos sindicatos, falavam. Havia muita provocação. Ligada à Igreja Católica, a Ação Popular que era muito radical. Aà não dava outra, o pessoal se expunha muito. O Lúcio Belantani (lÃder sindical comunista do ABC, preso na mesma época), por exemplo. Os companheiros da Ação Popular também foram presos, principalmente em Diadema. Nos anos 70, alguns desapareceram. É verdade que a filha do Prestes com a Olga Benário, Anita Leocádia, atuava clandestinamente no ABC? Nunca a vi pessoalmente, mas tinha informação de que ela dava assistência à base da Wolkswagen no começo dos anos 70. Mas as prisões ocorreram principalmente por causa das atividades nos sindicatos. O Paulo Vidal, por exemplo, que era o presidente do Sindicato na época, chegava na assembléia e dizia: "o comunista aqui sou eu" só pra provocar o nosso pessoal. Ele era do PCB? Não, nunca foi ligado ao PCB. Seu irmão, o presidente Lula, era ligado ao Paulo Vidal? Não. O Lula entrou no sindicato no esquemas do Afonso Monteiro da Cruz, um companheiro que tinha simpatia pelo partido e era ligado muito ligado à Igreja. Cara muito honesto, muito sincero. O Lula foi convencido a entrar no sindicato por um grupo do qual Paulo Vidal fazia parte, mas o Lula nunca teve ligação polÃtica com ele. Paulo Vidal não tinha posição polÃtica, ele era "eu mais eu". A afinidade polÃtica de Lula era com você? Não. O Lula nunca aceitou ser comunista, se ligou ao pessoal da Igreja Católica. Teve muita afinidade com o pessoal ligado ao Amaury Soares, fez curso de casais nessa época. Tinha admiração pela esquerda, mas nunca participou. Pensava pela cabeça dele? Diria que pelas informações que tinha. O Lula lia muito. Na hora que aceitou entrar no sindicato, e não foi fácil ele entrar, teve a primeira tragédia da vida dele, que foi a morte da mulher e do filho que ia nascer. Daà pra frente, cuidou muito da própria formação como lÃder sindical. Ele lia tudo que aparecia e se informava muito bem sobre o que pretendia fazer. Era um caracterÃstica dele. Até a minha prisão, por exemplo, ele não acreditava muito que havia aquela repressão. A morte do Manoel Fiel Filho foi outra tragédia para ele. A partir dali, ele passou a ter uma visão melhor da situação. Como foi a sua prisão? Eu não fui preso, fui seqüestrado. Era vice-presidente do Sindicato de São Caetano do Sul. Tomei posse na segunda, no sábado fui seqüestrado. Ninguém sabia onde eu estava. O Lula estava no Japão. Quando ele chegou, foi procurar a gente. Era outubro de 1975. Sofremos uma repressão muito violenta. Foram companheiros de base, ex-dirigentes sindicais, companheiros de metalúrgica, funcionários do Sindicato. Oswaldo Carminati, por exemplo, que trabalhava para o Dieese, foi preso nesse dia com a gente. O PCB foi desmantelado porque o tinha sido um grande articulador da vitória do MDB nas eleições de 1974 e órgãos de repressão já tinham liquidado a luta armada. Precisavam fazer alguma coisa. Isso também virou uma fonte de renda para algumas pessoas dessa área, de sobrevivência até. A morte do Manoel Fiel Filho politizou o movimento sindical do ABC? O que a morte dele nos levou a entender é que a repressão continuava. Mas houve a queda do general (Ednardo D;Ãvila Melo, comandante do 2º Exército). A morte dele foi o estopim para dar uma maneirada total na repressão. Para mim, foi a grande salvação. Para os caras, também. O regime militar não podia continuar daquela maneira. Eu acho que a morte do Fiel Filho foi um erro dos torturadores, foi um exagero daqueles caras. Eles eram sarcásticos, torturavam por prazer. Você foi torturado? Muito, mas muita gente foi mais do que eu. Entrou no DOI-CODE, não saia ileso. Tinha um pessoal que se revezava diariamente, era gente pronta para torturar. Era a função deles. Eram preparados, bem treinados, sabiam o que queriam. Eles faziam por prazer. O que eles faziam era tentar desmoralizar o ser humano. Quando o preso chegava ao lugar, já tiravam a roupa. Deixavam pelado, se tinha mulher, ficavam em frente à mulher. Torturavam juntos, a mulher, o homem, faziam um torturar o outro. Quando era para prender alguém, levavam um preso junto, já era para desmoralizar a pessoa. Há uma grande polêmica sobre a anistia para os toturadoress. Qual é a sua opinião sobre isso? Quem rasgou a Constituição não foram os opositores, foram eles. Quem resistiu a isso, era tratado como bandido. Eles rasgaram as leis e acham que nós somos bandidos. O que eles fizeram naquele momento, não só aqui como em toda a América latina, foi uma barbaridade. Não são dignos de estarem impunes. Do meu ponto de vista, não deveria haver anistia para essa gente. Você pode ter anistia no confronto polÃtico, num confronto de guerra, mas não era o caso. O elemento já estava detido pelo Estado, totalmente imobilizado. Isso é banditismo, assassinato. Mas houve um acordão na Anistia, aqui no Brasil a gente tem mania de fazer acordo para agradar todo mundo. Você acha que deve haver uma revisão da lei da anistia? Não diria uma revisão, mas pelo menos um acerto, mostrando que o torturador não pode ser beneficiado pela Lei da Anistia. Isso não é revanchismo? Não. Eles romperam com as leis vigentes, isso é reconhecido internacionalmente. José Francisco da Silva, o "Frei Chico", irmão do presidente Lula, fala sobre a militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho, último grande ato da onda repressão na qual também foi assassinado o jornalista Wladimir Herzog