Aconfusão de espaços públicos e privados está presente no Congresso Nacional, apesar de recomendações em contrário do Tribunal de Contas da União (TCU). O PMDB e o Democratas utilizam servidores das lideranças partidárias e dos gabinetes de parlamentares nas sedes dos partidos, que funcionam nos prédios da Câmara e do Senado. A presidência do PMDB usa graciosamente uma área de 122m² destinada à liderança do partido. Também de forma irregular, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), dispõe dos serviços de assessores lotados nas lideranças do PT e do governo.
Os dirigentes partidários consideram natural a mistura de espaços e quadros funcionais, mas a legislação proíbe o repasse de recursos públicos a partidos políticos, que já são financiados pelo Fundo Partidário. No Congresso, servidores com salários pagos pelo poder público estão à disposição de algumas legendas. Uma resolução da Câmara também veda o desvio de função de servidores, que seria a utilização de um funcionário em órgão diverso daquele pelo qual foi contratado. Para utilizar um espaço no Parlamento, os partidos também são obrigado a pagar aluguel, mas nem sempre isso acontece.
Entre os funcionários da Presidência do PMDB, estão dois ocupantes de cargos de natureza especial (CNEs) na liderança do partido: o assessor jurídico Júlio Bono (CNE-07), com salário de R$ 9,5 mil, e a chefe de gabinete Marilda Carvalho (CNE-12), com vencimentos de R$ 3,9 mil. Bono é assessor direto do presidente nacional do PMDB, deputado Michel Temer (SP). Por intermédio da sua assessoria de imprensa, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), explicou por que manteve o espaço físico e os servidores da liderança à disposição do partido. Afirmou que foi mantida uma situação que existe há anos, ;em função do perfeito entrosamento entre a liderança e o partido;. E acrescentou que Bono presta assessoria jurídica à liderança e atende aos deputados, encaminhando pedidos de audiências nos ministérios. A mesma argumentação foi feita pela assessoria de imprensa do PMDB.
;Dentro do Congresso;
Na presidência do DEM, instalada em todo o 26º andar do anexo 1 do Senado, trabalham duas servidoras que recebem salário da Câmara. Questionado sobre as servidoras, o presidente do Democratas, deputado Rodrigo Maia (RJ), afirmou inicialmente que apenas uma assessora ;tem cargo na liderança e está lotada no partido;. Seria a assessora Larissa Freitas. Argumentou que não há problema no fato de o partido ser uma entidade privada: ;Não tem problema porque é dentro do Congresso. Teria problema se fosse fora. E ela serve à liderança do mesmo jeito, trata das questões dos deputados. Fica na presidência pelo pouco espaço que tem na liderança. Essa é uma tese para ser discutida. Se tiver alguma decisão, a gente realoca na liderança;.
A reportagem perguntou sobre outra servidora, a secretária Maristela. ;Não, a Maristela está no meu gabinete. Ela já esteve nos CNEs. Quando veio para o partido, eu coloquei no meu gabinete. Ela serve no meu gabinete;. O deputado tentou explicar que a servidora está contratada como secretária parlamentar no seu gabinete pessoal na Câmara, mas presta serviços para ele na presidência do partido, que está instalada no Senado.
Exoneração na última sexta-feira
Até a última sexta-feira, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tomava decisões sobre os projetos em votação na Casa com base em pareceres de assessores das lideranças do PT e do governo. Depois de insistir por alguns dias na tese de que a situação era absolutamente regular, Chinaglia decidiu na sexta-feira exonerar o servidor Ely Azevedo, assessor técnico que ocupava um CNE-07 na liderança do governo na Câmara. O funcionário será contratado num dos CNEs vagos na Presidência da Câmara.
Na quinta-feira, o Correio telefonou para a liderança do governo e pediu para falar com Ely. A secretária informou, sem rodeios: ;Ele não fica aqui, fica na presidência. Ele está lotado aqui, mas trabalha lá;. Na presidência, a secretária informou: ;Ele está trabalhando em São Paulo;. E acrescentou: ;Tente no escritório. É o escritório do presidente;. Em São Paulo, um servidor atendeu o telefone: ;Escritório do deputado Arlindo Chinaglia;. A ligação foi transferida e Ely atendeu o telefone. A Presidência da Câmara afirmou Ely estava em São Paulo para fazer exames médicos. E os dias de folga seriam descontados do salário. Ely teria passado no escritório de Chinaglia apenas para rever amigos.
Jean Uema ocupa um CNE-07 na Liderança do PT. Procurado pela reportagem, foi encontrado na Presidência da Câmara. Funcionário cedido pelo Supremo Tribunal Federal, conheceu Chinaglia quando o deputado era líder do PT. Ele afirma que hoje trabalha para os dois órgãos, elaborando pareceres técnicos sobre os projetos que vão a votação na Casa. ;Eu envio ao presidente os mesmos projetos que preparo para o líder e para a bancada.; Questionado se o presidente da Câmara não deveria ter uma assessoria independente, respondeu: ;Os meus pareceres são descritivos;.
A assessoria de imprensa da Câmara afirmou inicialmente que não havia irregularidade nos dois casos, porque o presidente teria poderes para requisitar os serviços de qualquer servidor da Casa. Acrescentou que os dois funcionários não deixaram de trabalhar para seus órgãos de origem. Na sexta, informou a troca de lotação de Ely. Chinaglia teria admitido que havia um ;erro formal;. Uema permanece na dupla função.