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Politica

Lula inicia operação para unificar discurso do governo sobre tortura no regime militar

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu início a uma operação para unificar o discurso do governo e chegar a um meio-termo sobre os limites da responsabilidade da União e de torturadores em atos praticados no período da ditadura militar. A intenção é acalmar os ânimos e aparar arestas diante da divisão interna que surgiu por causa das diferentes interpretações da Lei de Anistia (6.683/79). A avaliação é que um ruído de comunicação pode ter causado um grande equívoco. Lula reuniu-se ontem no Palácio do Planalto com o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, para tratar da questão. E vai chamar os ministros envolvidos na discussão: Tarso Genro e Nelson Jobim, que comandam as pastas de Justiça e Defesa, e o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi. Ontem, o governo admitiu que pode haver um recuo. A polêmica começou depois que a Advocacia- Geral da União (AGU) recorreu da ação que o Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça Federal contra um grupo de coronéis da reserva e a União. A alegação é que houve omissão do Estado em não cobrar dos militares o ressarcimento ao Tesouro das indenizações pagas aos familiares de vítimas da ditadura. O MPF pediu a condenação dos oficiais por tortura e a abertura dos arquivos do regime militar. A AGU argumenta que a ação está prescrita. O ministro da Justiça procurou minimizar as divergências internas suscitadas diante do tema e negou que haja um racha no governo. ;O que queremos é colaborar para que o impasse técnico e jurídico não se transforme num contencioso político;, disse. No entanto, disse que a defesa apresentada pela AGU pode ser corrigida.;Não há nenhuma postura do ministro Toffoli de defesa de quem cometeu delitos de tortura ou de posição de princípio de que a anistia deve ser aplicada de maneira indiscriminada. Essa defesa técnica pode ser corrigida. Agora, essa correção deve ser técnica, adequada e negociada entre a AGU, a Secretaria de Direitos Humanos e o Ministério da Justiça;, declarou. Disputa Ele ressaltou que o Ministério da Justiça não compartilha da análise de que a AGU saiu em defesa de militares acusados de tortura. ;A AGU não tem uma posição de defesa de que uma pessoa deva ser absolvida ou condenada. Ela defende a União;, afirmou. Toffoli e Jobim, de um lado, consideram que a anistia foi ampla, geral e irrestrita. E que o debate sobre isso não deve ser reaberto. Por outro lado, Vanucchi e Genro afirmam que os crimes de tortura são imprescritíveis. A avaliação, no Planalto, é que a AGU pode ter trabalhado com informações que foram repassadas ao órgão sem que houvesse um amplo debate. O objetivo, agora, é esclarecer a questão e baixar a temperatura. ;Houve uma disputa de força desnecessária;, disse um interlocutor do presidente Lula. Porém, um dos lados vai ter que ceder mais, admitiu a fonte. Anistia Em meio ao embate, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau pediu ontem informações ao presidente Lula e ao Congresso Nacional sobre punições para autoridades militares que torturaram presos políticos no regime militar. O prazo para a resposta é de cinco dias. Depois, o processo segue para a Procuradoria-Geral da República, que também tem cinco dias para encaminhar um parecer. Grau é relator de uma ação que questiona a anistia dada a policiais e militares. A ação foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e questiona a validade de parte da Lei da Anistia que considera como igualmente perdoados delitos ;de qualquer natureza; praticados durante a ditadura. A OAB pede uma interpretação mais clara da lei. E que a anistia não se estenda a crimes praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores. Não há prazo para a decisão. Ouça entrevista com o ministro da Justiça, Tarso Genro: Ustra como pivô da discórdia O problema que causou desavenças dentro do governo começou no Ministério Público Federal em São Paulo. Em junho deste ano, procuradores da República entraram na Justiça Federal pedindo uma investigação e punição para militares e policiais envolvidos em crimes de tortura durante o regime militar. A ação cita principalmente o coronel Carlos Alberto Ustra, que chefiou o DOI-Codi, um dos centros da repressão na década de 1970. O MPF também pediu que a União fosse obrigada a indenizar as vítimas dos acusados, o que gerou a polêmica envolvendo principalmente a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A AGU decidiu contestar a ação do Ministério Público, ajuizada na 8ª Vara Federal de São Paulo, alegando que a União não poderia se responsabilizar pelo ressarcimento das vítimas. Uma das alegações foi que a indenização feita pela Comissão de Mortos e Desaparecidos e a Lei da Anistia trouxe um espírito conciliador. Mas o que causou as desavenças no governo foi o fato de a AGU contestar os pagamentos, o que foi entendido como uma defesa de Ustra, considerado um torturador por auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre eles, os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi. Do outro lado, José Antônio Toffoli, ministro da AGU, e Nelson Jobim, da Defesa, afirmam que os crimes que supostamente teriam sido cometidos pelos militares estavam prescritos. No entendimento de Tarso e Vanucchi, isso não ocorreu, já que o crime é considerado comum e não político. Aos dois se uniu a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que foi presa durante a ditadura. Os três possuem a favor a declaração do Ministério Público Federal em São Paulo, que tem a mesma interpretação da legislação.