O prefeito eleito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), começa nesta terça-feira (27/10) a escolher a equipe que cuidará da transição de gestores na administração municipal com uma idéia em mente: dar continuidade aos projetos de um dos seus principais apoiadores a quem sucederá no cargo, Fernando Pimentel (PT). E adianta: não irá tomar medidas ferozes. Um dia depois de eleito, Lacerda concedeu entrevista exclusiva ao Estado de Minas em seu apartamento no Bairro de Lourdes. À vista na sala, flores e recados de felicitação pela vitória com larga vantagem no domingo.
Lacerda disse que vai instituir o planejamento de longo prazo na administração municipal e embora rejeite o rótulo de choque de gestão, conta que pretende modernizar a área de recursos humanos. A idéia é atualizar métodos e fazer estudos para reduzir a burocracia. Já no primeiro mês de governo, Lacerda destacou três pontos que serão implementados: "Uma área de recursos humanos melhor, uma área de atração de investimentos, que hoje não tem, e implementar rapidamente a construção de um plano de médio e longo prazos para a cidade como um apoio para a região metropolitana".
Na composição de sua equipe de secretariado, o prefeito eleito avisa que terá voz e irá equilibrar as demandas dos 14 partidos que sustentaram sua candidatura e as necessidades técnicas. "É algo que se resolve com muita conversa, muita consulta e o objetivo prioritário tem que ser realmente fazer um bom governo. Para isso precisa de apoio político e competência". Por enquanto, o prefeito eleito se preocupa em fazer uma boa gestão, que servirá de vitrine para a tão criticada aliança entre PT e PSDB concretizada na capital mineira. Para ele, os partidos têm projetos diferentes e ambas as ideologias são da social-democracia, sendo difíceis perceber as "nuances" que as diferenciam. Sobre 2010, quando encontrará um cenário que o dividirá entre possíveis candidaturas à Presidência do governador Aécio Neves, de um candidato do PT ou do PSB, ele adianta apenas que deve agir como um militante partidário. (Leia na página 4 os principais pontos da entrevista)
ENTREVISTA
Como será a composição do governo municipal integrando 14 partidos que compuseram a sua coligação no primeiro turno, além dos apoiadores de segundo turno, como o DEM?
A prefeitura hoje tem pessoas de vários partidos . O Pimentel foi eleito com 11 partidos que deram apoio a ele e tem administrado essa coalizão. E até acho que essa aliança inicial se ampliou pois ele tem um apoio na Câmara Municipal de mais de 11 partidos.
Mas são situações diferentes porque na eleição de Fernando Pimentel o partido dominante era o PT. Qual é o partido dominante agora na formação da prefeitura já que o senhor é do PSB, o seu vice Roberto Carvalho é do PT e há o PSDB, legenda do governador Aécio Neves?
Eu não tenho essa resposta. Primeiro, porque não houve negociação neste sentido em nenhum momento. Nem em nível dos partidos nem em nível de pessoa ou dos apoiadores, não houve mesmo. Portanto, o eleito tem que ter a competência e a autoridade para compor a equipe e tem que ter a sabedoria para alcançar um equilíbrio adequado entre atender o que existe de aliança política, o que reflete no projeto da cidade no programa de governo e ao mesmo tempo ter critério técnico e de boa biografia contemplados. Portanto é algo que se resolve com muita conversa, muita consulta e o objetivo prioritário tem que ser realmente fazer um bom governo. Para isso precisa de apoio político e competência.
O senhor está assumindo o mandato com o risco de ser colhido por uma crise econômica internacional que poderá atingir a arrecadação do país, estado e municípios. O senhor acha que poderá ter dificuldades para atender a todas as demandas por investimento, além da pauta por reajuste do funcionalismo?
O pior cenário é ter uma recessão, que é um crescimento negativo. Isso não vai acontecer porque o mercado interno brasileiro é muito sólido. As exportações têm um peso na economia brasileira mas ele não é tão grande quanto em outros países. Não quero fazer uma análise técnica disso porque é uma análise macroeconômica que exige dados. Estou falando de minha sensibilidade: recessão não vai haver. Nós fizemos uma projeção de orçamento para quatro anos para imaginar o que se poderia fazer de obras. Trabalhamos com um crescimento do PIB de 4 a 4,5% o que é moderado. Temos de fazer uma nova simulação para ver o que aconteceria com a arrecadação em um contexto de PIB de 3% ou 3,5%. Então você não vai ter perda de arrecadação, vai ter um crescimento menor. Não é o melhor cenário, mas um cenário realista. Mas ainda é um pouco cedo. O próprio governador não está alterando a mensagem que ele enviou à Assembléia Legislativa porque acha que Minas não vai ter perda na meta de crescimento projetada e isso depende muito do que o governo federal fizer no sentido de não deixar a atividade econômica cair.
Dentro desse contexto de crise, o senhor que não é político, irá enfrentar reivindicações de diversos setores da sociedade por mais investimento, o que exige uma boa dose de malabarismo político. Nesse sentido, o senhor vai privilegiar na composição de governo um articulador político?
Lógico que tem que ter pessoas ligadas ao governo que tenham essa habilidade de negociação. O prefeito não tem condições de cuidar de todas as questões. Você tem que ter um conselho político que vai examinar todos esses conflitos e definir o que é necessário fazer. Todo governo tem isso. É o dia-a-dia. Portanto, fará parte da gestão cuidar desses conflitos e dessas contradições, porque a vida de qualquer administrador público é definir prioridades e encontrar o equilíbrio necessário de todas as demandas. O Pimentel desenvolveu uma boa capacidade nesse aspecto. Administrar pressões faz parte do trabalho de qualquer governante. Embora não tenha sido gestor eleito, também convivi com isto e mesmo sendo empresário ; eu como empresário trabalhei muito para estatais ; sou otimista em relação a isso, não me preocupa.
Ao assumir o governo, qual será a primeira medida que implementará?
Nós estamos em um projeto de continuidade. A prefeitura está cumprindo as suas obrigações, tem obras e programas sociais em andamento ; alguns melhor avaliados, outros pior avaliados. Mas o conjunto, na média, é de uma bem avaliada gestão. Não há uma crise que obrigue alguma medida feroz. O gestor moderno não tem essa coisa de sacar um milagre. Portanto o que vamos ter de fazer é entender um pouco mais onde estão os ajustes que serão necessários para melhorar o desempenho e fazer um plano de implementar as melhorias do nosso programa de governo logo no primeiro mês . O que tem de ser implementado, não é feito hoje: uma área de recursos humanos melhor, uma área de atração de investimentos, que hoje não tem, além de implementar rapidamente a construção de um plano de médio e longo prazo para a cidade, como um apoio para a região metropolitana, de tal forma que as novas ações de longo prazo sejam feitas convergindo para esse plano. Porque se você não tem uma clareza de longo prazo como toma uma medida de curto prazo, você vai estar sempre improvisando. Por melhor que seja a intenção. Na medida em que o longo prazo é construído em consenso fica mais fácil: você vai ter menos conflito na implementação nas medidas de curto prazo.
O senhor foi eleito em uma aliança que uniu PT e PSDB. Há muitas críticas de que as duas legendas encarnam projetos políticos muito diferentes. O senhor pretende adotar um modelo de governo mais tucano ou mais petista?
Nós tivemos uma excelente experiência que foi a formulação do programa de governo. Para montar o programa, se você observar a lista de colaboradores, tem gente do governo do estado e da prefeitura, além de outras origens. E foi uma experiência muito positiva porque é natural, são técnicos das diversas áreas que trocaram experiência e avaliaram o que BH precisa. Então, ali não tem nenhuma ideologia. Se você olha apenas o aspecto de gestão, o que alguém poderia de dizer é que o processo de construção dos planos na prefeitura é mais participativo popular do que no estado. Eu poderia dizer isso. Mas são nuances até um pouco difíceis de captar. Fora isso o que tem é o seguinte: o PT tem um projeto de poder e o PSDB tem outro. Essa de fato é que é a grande diferença entre eles. Não é um conflito de visão de mundo, porque na raiz os dois são sociais-democratas em termos do que fazer para melhorar a vida das pessoas. O governador e o prefeito perceberam que uma disputa política em BH não faria bem para a cidade nem para o futuro político deles e o projeto de colaboração estava funcionando bem. Eles acharam que eu tinha o perfil para tentar conciliar essas diferenças reais ou imaginárias.
Para 2010 temos o governador Aécio Neves como um potencial candidato à Presidência da República. Mas o PT tem a sua candidata, provavelmente a ministra Dilma Rousseff, ligada ao prefeito Fernando Pimentel. Há ainda Ciro Gomes (PSB), que pode compor chapa com ambos ou ser candidato. Como o senhor fica em meio a todos esses apoiadores?
Então estou no melhor dos mundos (risos). Tenho amigos em todas as bandas. Para ser sincero eu não tenho resposta porque ela ainda não é necessária. Realmente é um tanto quanto cedo para isso. A prioridade é chegar nos primeiros três meses da prefeitura e dizer que as coisas estão indo bem, o lixo está sendo recolhido e estão melhorando o atendimento nos postos de saúde. Essa grande articulação política, eu no final vou ter que ser um pouco digamos assim como um disciplinado militante do PSB. Porque esse é o meu partido e tenho trabalhado pelo seu fortalecimento em Minas. Então tenho que ser um militante do PSB e não um dirigente. E o PSB vai avançar também.
O senhor já tem idéia de quem integrará a sua equipe de transição?
Embora eu não tenha conversado ainda sobre isso seria natural que o núcleo da equipe de programa de governo participe disso. Tem o Jorge Nahas, que foi o coordenador, a Beatriz Goes, que foi a secretária executiva e há o meu chefe de gabinete, que é o Adler Andrade, meu secretário pessoal. Basicamente é esse grupo e aí eu vou ver nesse debate amanhã, como nunca montei equipe de transição, humildemente vou ouvir todas as sugestões.
O senhor pretende abrir mão do seu salário como chegou a cogitar durante a campanha?
Certamente eu estarei usando esse acréscimo de renda para doar para alguma coisa. A prioridade é para complementar a renda de auxiliares diretos meus se precisar para atrair para me ajudar no trabalho da prefeitura. Pegar o salário e dizer que estou doando isso parece demagógico, mas na prática eu estarei doando. Agora não faz sentido eu ficar contando para quem porque não é do meu estilo.