Festejado em 1988 como a "Constituição Cidadã", o texto produzido pela Assembléia Nacional Constituinte pecou pelo excesso de detalhes, seja para garantir regras que caberiam a legislações ordinárias, seja pela fixação de princípios doutrinários. A opinião é do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), à época presidente da Comissão de Tributação, Orçamento e Finanças da Assembléia Constituinte.
Em entrevista à Agência Brasil, o parlamentar recorda "lutas duras" vividas na comissão que tinha como relator o atual governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Tamanha era a quantidade de pleitos represados por 20 anos de ditadura militar que temas como a estatização dos bancos e a proibição de negociações com organismos internacionais foram motivo de acirrados embates entre os constituintes da comissão.
Nenhum desses, entretanto, tornou-se mais emblemático do que o estabelecimento de uma taxa máxima de juros de 12% ao ano. Mesmo derrubada na Comissão de Tributação, Orçamento e Finanças, a matéria foi aprovada em Plenário, graças a uma emenda apresentada pelos defensores da taxação. Como nunca foi regulamentado, o tabelamento dos juros acabou caindo, em conseqüência de decisões tomadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Outra batalha travada na comissão, recorda Dornelles, foi a descentralização dos recursos da União, capitalizando os cofres dos estados e municípios. "Eles [estados e municípios] ganharam o Imposto sobre Serviços [ISS], tiveram uma participação maior no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS] e aumento do Fundo de Participação dos Municípios [FPM]", disse o parlamentar.
Essa partilha ficou prejudicada quando, no capítulo que tratou da Previdência Social, foi criada a figura tributária da contribuição, o que permitiu ao governo não repassar aos estados e municípios os recursos oriundos dessas arrecadações. A obrigatoriedade de partilha dos recursos da União com estados e municípios resume-se aos impostos.
Dornelles recorda que, quando a Constituinte foi instalada, em 1987, havia um sentimento entre os parlamentares de renovação completa da Carta Magna. "Partiu-se do pressuposto que tudo o que havia sido feito estava errado. A Constituição de 1967 tinha que ser ignorada, bem como as modificações de 1969", disse o senador.
Outro equívoco dos constituintes, segundo Dornelles, foi a construção de um texto que aumentou a atuação do Estado e restringiu a participação do setor privado no campo econômico. Anos depois, algumas dessas "distorções" foram corrigidas, ressalta o parlamentar.
Entre as correções já feitas, Francisco Dornelles cita o fim do monopólio em setores como petróleo, comunicações, energia e transportes. "Hoje, vamos admitir, ela [Constituição] é detalhista, mas, entre os detalhes que absorveu, os mais graves foram corrigidos e, por isso, é uma Carta com a qual se pode conviver".