Jornal Correio Braziliense

Politica

Índios reclamam terras ocupadas por empresa de celulose na Bahia

Empresa de celulose ocupa área reivindicada por tribo pataxó no sul da Bahia. Caciques denunciam o impacto ambiental provocado pelas plantações de eucaliptos que cercam as aldeias da região

Porto Seguro (BA) ; A Veracel reconhece que 3.851 hectares de sua propriedade estão dentro da área de ampliação do território indígena dos pataxós no município baiano de Porto Seguro. Desse total, 1.018 hectares estão ocupados com plantações de eucaliptos para produção de celulose na fábrica da empresa. A empresa afirmou ao Correio que irá acatar ;qualquer que seja a decisão da Justiça a respeito desse assunto;. Caciques das aldeias Guaxuma e Barra Velha, em Porto Seguro, reclamam da expansão das plantações de eucaliptos nas terras por eles reivindicadas. Afirmam que os riachos estão secando e que houve uma redução da caça. O território de Barra Velha foi homologado em 1991, com um total de 8.627 hectares repassados pelo Ibama. No processo de revisão, os pataxós reivindicam um total de 51 mil hectares. Nessa área, estão incluídas as terras já homologadas e os 13,8 mil hectares do Parque Nacional Monte Pascoal. O restante é de propriedades rurais. Segundo o Incra, o levantamento fundiário aponta uma área de 1.620 hectares de ;reflorestamento; de eucalipto da Veracel, mas não identifica se são áreas de fomento ou da própria Veravel. O resumo do relatório foi publicado em fevereiro deste ano. A fase do contraditório se encerra emsetembro. A gerente de sustentabilidade da Veracel, Eliane Anjos, afirma que a empresa ;não vai contestar; a decisão, mas salienta que as terras foram adquiridas de fazendeiros que tinham título de propriedade, com histórico do domínio desde 1600. Relações de conflito [VIDEO1]A Veracel tem relações ;muito boas; com as 14 aldeias pataxó, afirma a gerente de sustentabilidade da empresa, Eliane Anjos. ;Eles visitam a fábrica, nós visitamos as aldeias, distribuímos kits escolares, desenvolvemos juntos o programa de proteção à criança e ao adolescente.; Acrescentou que estaria viajando a São Paulo, na semana seguinte, em companhia do cacique Karkaju, da aldeia Coroa Vermelha. ;Estamos preparando, dentro do projeto Homem da Terra Nova, o Ato do Descobrimento, com participação de artistas da Rede Globo;, contou. A relação não é tão boa com os índios da aldeia Guaxuma, implantada às margens da BR-101. Eles vivem de culturas de subsistência e da venda de artesanato, a maior parte constituída de utensílios domésticos em madeira. Tem até tábua de cortar carne. Suas terras estão cercadas por plantações de eucaliptos. ;A gente está tendo um impacto muito grande. Eles falam que o eucalipto não suga água, mas a verdade é que um monte de rio secou. A caça também foi embora;, afirma o cacique Manoel Pataxó. Questionado sobre o Ato do Descobrimento, responde secamente: ;É até chato falar. Nós temos suspeitas em relação à Veracel. Eles (a empresa) fazem propaganda, dizem que temos parceria. Queriam que a gente trabalhasse com viveiros, para recuperar áreas degradadas. Mas não temos uma relação muito boa. Em 2005, quando o presidente Lula esteve aqui, cortamos 2 mil eucaliptos deles. A mídia dizia que tinha parceria, mas a gente não tem isso não.; Ele afirma que, após a ampliação da área pataxó, a aldeia não pretende ;tirar o eucalipto e recuperar a terra;. Projeto Na aldeia Barra Velha, o cacique Romildo Ferreira não quis muita conversa. ;Fizemos parceria em viveiros de mudas. Eles fazem conserto de estradas, às vezes. Na área de saúde, até agora nada;, comentou. Adauto Pataxó, candidato a vereador em Porto Seguro, contou como funcionou o projeto do viveiro de mudas: ;Eles nos ajudaram. Seriam de 5 a 10 mil mudas de espécies nativas a cada seis meses. Fizemos 4 mil mudas, mas a maioria se perdeu. Ninguém comprou. Os meninos saíram plantando nas margens dos córregos;. Pescadores criticam mau cheiro Responsáveis pela fábrica da Suzano em Mucuri (BA), perto da divisa com o Espírito Santo, afirmam que mantêm rígidos controles de tratamento de seus efluentes, mas moradores da região dizem que o início da segunda linha de produção de celulose, em agosto do ano passado, tem provocado a mortandade de peixes eventualmente, além do mau cheiro na água. O pescador Eliseu Barreto Alves, de 44 anos, que mora embaixo da ponte da BR-101 sobre o rio Mucuri, afirma que todo mês ;descem toneladas de peixes mortos;. O Correio visitou o local, no último dia 16, e constatou na água o mesmo cheiro sentido na porta da fábrica, embora bem mais fraco. Na margem, alguns filhotes de cascudos pareciam bastante tontos. Eliseu disse que a mortandade começou há cerca de 10 meses: ;Começou peixe a descer morto, camarão, mais de 100 toneladas por mês, piai, robalo, camarão, cascudo;. Questionado se a mortandade teria a ver com a fábrica da Suzano, respondeu: ;Tem, porque só acontece isso da fábrica pra cá. Pra lá da fábrica não tem problema, a água é clarinha, limpinha, não tem cheiro nenhum. Da fábrica pra cá, a água fica escura, esse fedorzão todo;. Eliseu mora embaixo da ponte com a mulher e 10 filhos pequenos. Tem renda de R$ 400 por mês. O menino mais novo está com o corpo cheio de feridas. Toma banho no rio. O pescador assegura que não é perigoso pescar naquele local: ;Não, peixe doente a gente conhece, e solta. Ontem mesmo soltei um robalo. Ele estava tonto. Estando tonto, tá doente. Você bateu a tarrafa, o peixe não pulou é porque tá doente;. Pó de eucalipto Eliseu assegura que o cascudo é o peixe que mais sofre. ;É o mais prejudicado. O casco esquenta e eles não agüentam a quentura. A corumatã cria uma mecha no bucho dela, da poluição. É esse limo aqui, e não resiste também. Esse limo, é o pó de eucalipto.; Adeil de Jesus, 38 anos, trabalha numa fazenda de cacau nas proximidades da fábrica. Tem mulher e três filhos. Reclama do sumiço dos peixes: ;Tinha robalo, cascudo, agora sumiu tudo;. Segundo ele, em alguns dias, ;a água está escura que nem calvão (sic);. Ele também reclama do cheiro ruim. O salário da fazenda é de R$ 416. O Correio apresentou à Suzano um relato das declarações feitas pelo moradores da região. A empresa afirma que o controle de efluentes da fábrica de Mucuri atende a legislação ambiental vigente. ;Os efluentes são essencialmente compostos por material orgânico tratado. Sua coloração é conseqüência dos compostos que dão cor à madeira. Essa coloração fica mais evidente durante o período de inverno, quando a vazão do rio é menor. Não há qualquer tipo de produto tóxico nos efluentes da fábrica que retornam ao rio. O odor, característico do processo de produção de papel e celulose, não causa nenhum tipo de dano ao meio ambiente ou a pessoas.; Segundo a Suzano, a fábrica passa freqüentemente por biomonitoramento independente, realizado pela empresa Cepemar, para avaliar a qualidade da água, a presença de seres vivos e certificar-se de que não há impactos dos efluentes da unidade de produção sobre a biodiversidade do Rio Mucuri. ;Laudos de análise realizados pela Cepemar após a jusante da unidade de produção garantem que a qualidade da água para atividades de recreação, pesca e uso no abastecimento da comunidade após tratamento convencional. Não há riscos de mortandade de peixes de decorrência dos efluentes da Unidade Mucuri.;