Durante mais de duas décadas, os povos indígenas Tupiniquim e Guarani disputaram terras com a Aracruz Celulose no município de Aracruz (ES), distante 79 km de Vitória. A empresa havia implantado na região milhares de hectares de florestas de eucaliptos para a produção de celulose. No ano passado, o ministro da Justiça, Tarso Genro, declarou a posse dos índios sobre os territórios Comboios e Tupiniquim. As terras indígenas foram ampliadas de 7,5 mil para 18 mil hectares. Os índios estudam agora como recuperar o que foi degradado e o que fazer com os tocos de eucaliptos que restarem.
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A Funai está fazendo a demarcação administrativa das terras declaradas indígenas para posterior homologação pelo presidente da República. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Aracruz Florestal, que daria origem à Aracruz Celulose, iniciou em 1967 a aquisição de terras da região, incluídas áreas tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Durante anos, as duas partes mantiveram uma disputa agressiva. Empresas prestadoras de serviços e sindicatos de trabalhadores distribuíram outdoors no município defendendo a Aracruz. Um deles dizia: ;A Aracruz trouxe o progresso. A Funai, os índios;.
Em seu site oficial, a Aracruz apresentou argumentos contra a ampliação da reserva. Mostrava fotos de casas de alvenaria em Caieiras Velhas, algumas com antena parabólica e ar-condicionado, além de estrada asfaltada, escolas, igrejas e mercados. Segundo o site, trabalho de identificação étnica da Funai concluiu, em 1982, que as comunidades eram ;compostas por caboclos;. O cacique Vilson Benedito de Oliveira era apresentado com um farsante. Ele aparecia numa foto, supostamente, com uma borduna dos txucarramães, cocar e pintura corporal dos caiapós. Após ação do Ministério Público, a foto do cacique foi retirada do site.
A Aracruz aceitava a criação de um corredor de contato entre as áreas indígenas de Pau Brasil e Caieiras Velha, ampliando o território em 3,9 mil hectares. A empresa explicava por que não queria a ampliação para o norte: "Há a necessidade de se resguardar o viveiro, a fábrica e o Portocel";. Após a conclusão do laudo antropológico da Funai, os indígenas conseguiram mais 11,9 mil hectares de terras.
Recuperação
No final do ano passado, lideranças indígenas e a Aracruz assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A empresa recebeu o prazo de um ano para retirar a madeira da área e se comprometeu a dar R$ 3 milhões para a realização de estudos etnoambientais. A meta é a elaboração de programas que garantam a autosustentabilidade dos índios, identificando melhores alternativas para o uso das terras.
O presidente da Associação Indígena Tupiniquim e Guarani, Evaldo Almeida, afirma que a comunidade está dividida em relação ao que fazer com eucaliptos. ;A empresa vai tirar os eucaliptos, mas tem que tirar os tocos junto. Mas, se tirar, ficam os buracos. Outro projeto é aproveitar mais duas ou três brotações. Mas, depois, ficam os tocos. Se colocar veneno, mata o solo e ainda fica a raiz. Isso leva 40 anos para sumir no solo.; Evaldo relata como a Aracruz teria adquirido aquelas terras: ;Os posseiros vendiam. Eles falavam que tinham o documento da terra. Eles (a empresa) forçavam a vender. Diziam: "Se não vender, não vai poder passar mais". "Ninguém tinha conhecimento dos direitos."
O vice-cacique da aldeia Pau Brasil, Marcelo Francisco, afirma que a Aracruz "tem que indenizar a comunidade. As nascentes morreram, os rios estão secando". Ele mostrou uma aldeia que recebe água de caminhão-pipa porque os riachos próximos estariam secando ou poluídos por agrotóxicos. Marcelo também mostrou o que restou do Rio Sahi. Ele conta que seu pai e seu avô seguiam de canoa por esse rio até o mar. "Voltavam no dia seguinte, com muito peixe."
Um estudo feito pela Associação de Geógrafos Brasileiros, na Seção Espírito Santo, mostra que a construção de estradas resultou no manilhamento do curso do rio. "Na nascente do Rio Sahy, o leito do rio está em péssimas condições ambientais, sem mata ciliar e com pasto, dejetos e pisoteio do gado. Na ponte do Morubá, o rio está totalmente degradado, sem mata ciliar e com áreas de plantio de eucalipto. Nesse ponto é grande a emissão de esgoto in natura dentro do rio. Não existe mais vida neste setor do rio. A foz do Rio Sahy está totalmente assoreada", diz o estudo.
Empresa se defende
A Aracruz afirmou que iniciou a aquisição de terras no município de Aracruz, no Espírito Santo, em meados da década de 1960. "Todas as terras foram adquiridas diretamente dos seus legítimos proprietários anteriores, todos não índios, segundo documentação idônea em que está amplamente comprovada a linha sucessória de proprietários, conforme prescrito pela Constituição brasileira. Todas as escrituras da Aracruz estão legalmente registradas e documentadas", justificou a empresa, em e-mail enviado ao Correio.
A papeleira acrescentou que, "além da documentação referente à aquisição das terras de seus legítimos proprietários, existem provas, como títulos de posse, documentos históricos, laudo antropológico independente e fotos aéreas, que demonstram o uso do solo na região nas décadas de 1950 e 1960, comprovando que a área havia sido devastada por ciclos econômicos, como os do café, das pastagens e da madeira. Fotos do Instituto Brasileiro do Café, tiradas na década de 1950 (10 anos antes dos primeiros plantios), mostram que a vegetação já estava bastante alterada e sem vestígio de aldeia indígena na região. Esses e outros argumentos serviram de base à contestação ao laudo antropológico apresentado à Funai".
A empresa afirmou ainda que "abriu mão de apelar à Justiça contra as portarias demarcatórias do ministro da Justiça, por entender que o melhor para a empresa, os índios e a região era a busca de uma solução definitiva para a disputa, por meio da assinatura de um acordo que desse garantias jurídicas à empresa de que a terra indígena não seria novamente ampliada."