Não é fácil a vida dos servidores da Presidência da República que não desfrutam do cartão corporativo do governo federal. Que o diga um grupo formado por seguranças, assessores de comunicação e tripulantes do AeroLula que acompanham o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mundo afora. Esses funcionários ainda não receberam as diárias a que têm direito por participar de viagens internacionais de Lula realizadas desde dezembro de 2007. Segundo ofício assinado por Luiz Gustavo Sanches Betti, secretário da Divisão de Pagamentos do Ministério das Relações Exteriores, a dívida em diárias atrasadas era, em 23 de abril, de US$ 295.640, quase R$ 500 mil em valores atuais.
O valor corresponde às viagens feitas pelo presidente a Caracas, La Paz, Buenos Aires e Montevidéu, em dezembro, Cidade da Guatemala e Havana, em janeiro, e Punta Arenas, Estação Antártica e novamente Buenos Aires, em fevereiro. Os servidores alegam que o débito é maior, porque também não foram liberados os recursos relativos às viagens a Haia, Amsterdã, Praga e Acra, em abril, além de Lima, em maio. ;A gente paga com recursos próprios a hospedagem e a alimentação. Paga para trabalhar e depois não recebe o ressarcimento. É muito complicado ter que ficar correndo atrás das diárias;, diz um funcionário.
;Essa questão da diária virou um problema na vida da gente. O governo alega que não tem dinheiro para pagar, mas eles gastam com cada coisa no cartão corporativo. É muita injustiça;, acrescenta o mesmo funcionário. Diante da situação, o servidor considera uma ;loucura; participar da viagem de Lula a Roma, prevista para o início de junho. ;Ninguém recebeu os atrasados. Como vamos comprar os dólares e ainda pagar nossas contas?; Outro integrante do chamado Escalão Avançado do Presidente, que prepara as visitas de Lula ao exterior, reforça o coro. Apesar de mais bem remunerado, também mostra preocupação quanto ao custo da missão à Itália.
;Está todo mundo assim, preocupado. É um prejuízo enorme. Além disso, dependendo de quando houver o pagamento, há uma perda expressiva de dinheiro devido à desvalorização do dólar.; Em 18 de dezembro de 2007, a moeda americana fechou cotada em R$ 1,813. Na última quarta-feira, em R$ 1,658. Para a assessoria de imprensa do Itamaraty, o valor da moeda americana não pode ser levado em consideração porque, quando o real estava mais fraco, nenhum servidor reclamava de receber mais do que gastou ao viajar. Além disso, o decreto que regulamenta a questão fala só em dólar, sem fazer referências a cotações. A assessoria reconhece a dívida em diárias. Declara que os valores serão pagos na medida do possível.
A conta
E diz que o atraso no acerto de contas ocorreu devido a uma dúvida jurídica no seio da administração pública, instalada na esteira do Decreto 6.258, de 19 de novembro de 2007. O texto não teria deixado claro a quem caberia pagar as diárias em viagens internacionais: Presidência da República ou Itamaraty. Só em abril deste ano, um parecer debitou a obrigação e a dívida na conta do Ministério das Relações Exteriores. ;Esclareço a Vossa Excelência que é da competência do Ministério das Relações Exteriores a responsabilidade pelo pagamento das despesas de hospedagem e diárias das autoridades integrantes das comitivas oficiais ao exterior do presidente, vice-presidente da República, bem como dos servidores componentes da equipe de apoio, inclusive servidores militares;, afirma Sanches Betti em ofício encaminhado ao gerente da agência do Banco do Brasil no Itamaraty, a fim de solicitar os dólares necessários para liqüidar o débito.
;O calendário de pagamentos acima (leia documento nesta página) visa a sanar, em caráter urgente, pendência de diárias junto aos integrantes das comitivas oficiais, haja vista que ainda não foram indenizados por viagens de dezembro de 2007 e, em muitos casos, já foram designados para novas missões;, reforça Sanches Betti. Segundo os servidores, o tal calendário não foi cumprido. Já a assessoria do Itamaraty argumenta que só os militares têm créditos a receber. Funcionários civis, como diplomatas que integram o grupo de apoio ao presidente, contestam tal versão. ;Às vezes, as diárias são pagas depois de dias. Normalmente, demoram meses. Eu mesmo tenho algumas a receber;, afirma um deles, um tanto constrangido.