Porto Alegre ; Com contribuições de campanha para dezenas de políticos e a promessa de investimentos de R$ 10,7 bilhões em cinco anos, três grandes empresas produtoras de celulose invadiram a metade sul do Rio Grande do Sul com florestas de eucaliptos, modificando a paisagem, os hábitos e a economia do pampa gaúcho. As papeleiras foram recebidas de porteiras abertas pelo governo do estado e pelos prefeitos da região, interessados na geração de empregos, renda e impostos. As relações com o meio político do estado foram azeitadas com doações no valor de R$ 2 milhões nas eleições de 2006, sendo R$ 500 mil para a governadora Yeda Crusius (PSDB).
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O atropelo na tramitação de licenças de operação e a elaboração de um zoneamento ambiental que impõe poucas restrições à atuação das empresas provocaram as resistências do Ministério Público Federal, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e de ambientalistas, que temem pela formação de ;desertos verdes; na região do pampa, com a conseqüente degradação do meio ambiente.
Durante uma semana, o Correio percorreu 3,7 mil quilômetros visitando 10 cidades gaúchas e duas uruguaias para registrar o avanço das florestas de eucaliptos, que atingirão uma área de 440 mil hectares até 2011. O governo do estado estima a criação de 800 mil empregos no período. Num futuro próximo, a área plantada deverá chegar a 1 milhão de hectares, afirma o secretário estadual do Meio Ambiente, Otaviano Brenner de Moraes. Autoridades municipais saúdam a chegada na nova frente econômica numa região empobrecida, dedicada prioritariamente à pecuária extensiva e às monoculturas da soja e do arroz. Ambientalistas e acadêmicos afirmam que a monocultura do eucalipto esgota os recursos hídricos e prejudica a fauna e a vegetação nativa.
A reação começou com os ambientalistas, mas chegou aos órgãos federais de fiscalização e controle do meio ambiente. O Ministério Público Federal apresentou ação civil pública contra as três empresas de celulose ; a Aracruz, a Votorantim e a filandesa Stora Enso ; e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) por supostas irregularidades nos processos de licenciamento. O superintendente do Ibama/RS, Fernando Marques, critica o zoneamento aprovado pelo estado: ;O Ibama emitiu vários pareceres que, acreditávamos, iriam ajudar no zoneamento. Para nossa surpresa, as coisas foram atropeladas;.
O representante do Ibama/RS no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), Marcelo Medeiros, afirma que o esperado debate técnico-científico foi substituído por uma discussão política e econômica, ;sob o argumento de riscos aos vultuosos investimentos já em implantação no estado;. Ele afirma que foi retirada da proposta original de zoneamento ;quase que a totalidade dos limites e restrições que poderiam representar mecanismos de salvaguarda da biodiversidade, águas e solos dos biomas Mata Atlântica e Pampa;. Não foram contemplados, por exemplo, os tamanhos e as distâncias entre os maciços florestais.
Licenças
Insatisfeita com a morosidade na aprovação das licenças ambientais, a governadora Yeda Crusius substituiu a bióloga Vera Callegaro pelo procurador Otaviano Brenner de Moraes na Secretaria de Meio Ambiente em maio do ano passado. O secretário do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais, Luiz Fernando Zachia, afirma que não houve ;atropelo;. Explica que foi criada uma força-tarefa para apreciar o estoque de pedidos de licenças, que chegava a 12 mil, e não apenas na área de silvicultura.
Segundo Zachia, havia ;um pequeno grupo de técnicos que criava um monopólio da atuação, e começava a haver pressão da sociedade. Isso começou a enfraquecer a secretária;. Com relação ao zoneamento, disse que o governo tomou a seguinte decisão: ;Vamos acelerar o processo de conversação com a sociedade. O que for do interesse do estado vamos fazer, para não inviabilizar os investimentos. As coisas estavam paralisadas. Acelerar não é atropelar;.
Representante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) no Consema, o geneticista Flávio Lewgoy desabafa: ;O conselho foi usurpado. As pasteiras estão mandando no Rio Grande. O governo colocou etiqueta de preço e vendeu o estado;. O presidente do sindicato dos servidores (Semapi), Antenor Pacheco, entrou com representação no Ministério Público Estadual alegando que três servidores da Fepam foram transferidos para o laboratório da fundação porque emitiram parecer contrário à ampliação da fábrica da Aracruz em Guaíba (RS) de 500 mil toneladas ao ano para 1,8 milhão.
Brenner contesta a afirmação de que houve recuo do governo na elaboração do zoneamento: ;Estamos em estado democrático de direito. O zoneamento tem uma finalidade de proteção ambiental e, por conseqüência, acaba limitando o exercício de outros direitos, de livre iniciativa, de propriedade;. Ele afirma que, ao final do debate, houve um equilíbrio, com a aprovação de entidades que representam agricultores, prefeitos. Salienta que a monocultura da soja já alcança 4 milhões, sem zoneamento, sem qualquer processo de licenciamento.
A ação civil do Ministério Público Federal condena, principalmente, a implantação de extensas áreas de florestas com o instrumento precário das ;autorizações; da Fepam, permitido em propriedades com até mil hectares. Na soma das três empresas, porém, essas áreas alcançaram 32 mil hectares.