Um grande passo para o futuro, dirão, com propriedade, muitos. Todavia, injustificadamente, uma questão estrutural e de profunda importância não foi contemplada e não tem recebido o tratamento necessário na elaboração e execução nem do velho nem desse novo Fundeb: a questão da aprendizagem e exclusão dos jovens negros na educação fundamental.
Além da trajetória histórica de iniquidades e desigualdades pós-abolição, o peso do olhar discriminatório que sempre acompanhou os negros nos ambientes sociais se constituiu em obstáculos seriíssimos para garantir aprendizado e tratamento de socialização educacional respeitável e igualitário. A prática impediu que se promovesse e fortalecesse o estímulo e o “prazeramento” pelo conhecimento e pelo processo educativo.
É conhecido e fruto de importantes debates o processo sensível e conflituoso da trajetória de formação do jovem negro no ensino público. Seja pela pouca empatia da escola com aspectos relevantes da sua trajetória e historicidade, seja pela violência simbólica que, em menor ou maior medida, constitui o fazer educacional, ele irremediavelmente se encontra pressionado por ambiente hostil que, além de não lhe reconhecer a individualidade, não prestigia aspectos positivos da sua comunidade de pertença e mesmo aspectos da apresentação física. Isso, sem contar os casos em que professores disponibilizam menos atenção e acolhimento pelo entendimento de que esse público dispõe de menos capacidade de aprendizado.
Os resultados mais imediatos podem ser conhecidos pela Pnad 2019: 71% dos mais de 10 milhões de jovens brasileiros que abandonaram a escola sem ter completado a educação básica são pretos ou pardos. Mais: os negros passam, em média, quase dois anos a menos na escola (8,6 anos) do que os brancos (10,4). A taxa de analfabetismo entre negros e brancos é três vezes maior entre negros.
Praticamente 10 a cada 100 negros com mais de 15 anos não sabem ler nem escrever, enquanto entre brancos são 3,6% os analfabetos. O tempo médio de estudo de pessoas com 25 anos ou é de 10,2 anos entre brancos (10,1 anos para homens e 10,4 anos para mulheres) e 8,3 anos entre pretos ou pardos (8,1 para homens 8,6 anos para mulheres).
Sob todos os aspectos, os dados e indicadores da Pnad/2019 deveriam sugerir alto e profundo grito de alerta sobre o encaminhamento da falência da educação brasileira no papel de incluir, qualificar e socializar o jovem negro. Diferentemente das premissas e propósitos fundacionais, a escola, ao invés de receber e acolher, está expulsando o negro do ambiente educacional.
Por esses motivos, incluir mais 46% de municípios pobres e duplicar o orçamento do Fundeb deveriam estar subordinados a um compromisso mínimo com a brutal distorção e exclusão social. Sem incluir no ordenamento uma ação de intervenção que auxilie e promova a superação desses obstáculos e limites e sem construir mecanismos de contrapartidas que estimulem, subordinem e garantam cronogramas e metas, tão somente vamos manter senão ampliar o verdadeiro apartheid racial educacional.
Neste momento histórico — em que o pós-pandemia significará a destruição de empregos, receita e renda em níveis estratosféricos para os mais vulneráveis (leia-se negros) e em que o novo normal significará habilidades socioemocionais, conhecimento qualificado, interação em ambiente tecnológico apurado e aprendizado amplo e diversificado —, não considerar esses fatores limitadores naturalizados pela educação brasileira em relação aos negros será, novamente, deixá-los para trás, abandonados, separados e desiguais.
* Advogado, doutor em educação, é reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e líder do Movimento AR