Opinião

Pandemia: do estímulo ao ajuste

''Neste momento, qualquer previsão sobre a economia depende do rumo que tomará a pandemia. Esta, felizmente, dá sinais de estar sendo controlada em muitos países, em especial, nas maiores economias''

Não deixa de ser irônico que uma das maiores crises econômicas da história tenha dependido tanto de uma força que não se estudava nos cursos de economia: a saúde pública. Coloco estudar no passado porque, com certeza, no futuro haverá cursos explorando essas inter-relações. Isso não só por tudo que esta pandemia está ensinando, mas, também, pelo risco de que voltemos a viver momentos como este no futuro.

Neste momento, qualquer previsão sobre a economia depende do rumo que tomará a pandemia. Esta, felizmente, dá sinais de estar sendo controlada em muitos países, em especial, nas maiores economias. Espera-se, assim, que o PIB mundial cresça de forma mais robusta no terceiro trimestre, depois da recuperação modesta em maio e, com mais força, em junho. Isso já aparece em indicadores de alta frequência, que apontam para expansão vigorosa da Europa em julho. Também alentadora foi a alta do PIB chinês no segundo trimestre.

Porém, o reaquecimento não reflete apenas a melhora nos indicadores de saúde, mas, também, os fortíssimos estímulos monetários e fiscais adotados em quase todas as partes, praticamente sem precedente histórico. Basta ver que o FMI projeta que o deficit público chegará este ano a 11,7% do PIB na área do Euro e a 23,8% do PIB nos EUA. Isso e a retração econômica farão a dívida pública dar saltos de 21% e 32,7% do PIB, respectivamente.

A situação no Brasil não é diferente. Para além da forte queda da taxa Selic, que deve ser cortada de novo em agosto, também tivemos estímulos fiscais significativos, com destaque para o auxílio emergencial. Esses estímulos ajudaram a estabilizar a economia em maio, depois da forte queda de abril, e a expandir mais significativamente em junho. Também aqui o PIB deve ter alta relevante no terceiro trimestre, ainda que sem recuperar tudo que caiu no primeiro semestre do ano.

Porém, também no Brasil, essas medidas têm custado bastante para o Tesouro. Projeta-se um deficit público nominal de cerca de 16% do PIB e um salto na dívida bruta do governo geral para 95% do PIB, 19% do PIB a mais do que no final de 2019.

O grande dilema que agora se coloca para os governos é como, e quando, desmontar os programas de estímulo fiscal, de forma a minimizar o dano sobre as contas públicas, sem jogar as economias de volta na recessão. Aqui, pode-se discernir três grupos de países.

No primeiro, e mais difícil, temos os países em que a pandemia chegou mais tarde e ainda está se espalhando. Aqui se incluem Índia, Bangladesh, Paquistão e a maioria das nações africanas. Todos, provavelmente, viverão a repetição do que já vimos na América Latina, em especial a necessidade de uma rede de proteção social. Ajuda terem populações relativamente jovens e em grande proporção vivendo no campo. Isso explica a baixa letalidade, quando medida por milhão de habitantes.

No segundo, incluindo Europa, Austrália, Nova Zelândia e partes da Ásia como China, Coreia, Vietnã e Taiwan, a pandemia está relativamente controlada e a volta parcial da demanda privada — investimento e consumo das famílias — vai gradualmente substituir o estímulo fiscal. Ainda haverá estímulos, como ilustra o programa de 750 bilhões de euros aprovado pelos países europeus, mas a tendência é as coisas se ajustarem. Esses países devem tornar-se mais atraentes para investidores estrangeiros.

O terceiro grupo inclui EUA, Brasil, México e outros países em que o número de mortes diárias está mais ou menos estável. No caso do Brasil, em pouco mais que mil mortes por dia na média de sete dias. Isso, em parte, reflete o fato de serem países grandes, em que a pandemia se espalha geograficamente.

No terceiro grupo, a retirada de estímulos será mais difícil, pois o fim de programas como o auxílio emergencial pode derrubar o consumo das famílias. Os EUA sinalizaram que manterão estímulos e deficits elevados. Os demais países nesse grupo não têm, porém, a mesma flexibilidade para seguir emitindo dívida, nem ter os seus bancos centrais comprando esses papéis.

Não obstante, o enfraquecimento do dólar que vai resultar de os EUA seguirem por esse caminho será benéfico para os emergentes em geral e ajudará a manter as taxas de juros em patamar historicamente baixo. No nosso caso, também será importante por manter o preço das commodities em patamar elevado. Tudo isso, porém, vai ficar bem mais fácil se descobrirem a vacina. Aí tudo muda e o problema será o risco de inflação.


* do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE / UFRJ)