Correio Braziliense
postado em 20/07/2020 04:18
A primeira vez que ouvi sobre a covid-19 foi pela imprensa internacional em dezembro de 2019, mas parecia algo restrito ao distante continente do gigante amarelo cujas repercussões não atingiriam o Brasil. Subestimar a doença, a velocidade de transmissão e o poder de letalidade foi erro comum e teve consequências globais. Em janeiro e fevereiro de 2020, o noticiário sobre o coronavírus cresceu à medida que o mal rompia fronteiras e comprometia serviços nacionais de saúde. Já estávamos no feriado de carnaval quando soube do primeiro caso no Brasil e, desde então, a vida como profissional da Universidade de Brasília (UnB) mudou. As repercussões da pandemia na docência universitária têm sido significativas, em especial os desafios pedagógicos sob o requisito sanitário do isolamento social.O Distrito Federal foi a primeira unidade da Federação a suspender as aulas por decreto do governador. A medida foi vista como exagerada por alguns. Brasília chamou a atenção do país ao ter as escolas e demais instituições de ensino fechadas no início de março. Mais tarde, soube que a iniciativa naquela semana foi fundamental e até tardia, uma vez que o vírus já circulava na UnB, como mostrou o relato posterior de colega com covid-19, participante das atividades presenciais durante a primeira semana de aulas e, até então, sem manifestações clínicas.
A dificuldade, tanto no ensino superior quanto no fundamental e médio, é preservar a qualidade combinada a estratégias didáticas capazes de preservar a vida de estudantes, docentes e demais trabalhadores da educação. A pandemia restringe contatos sociais e aglomeração de pessoas em espaços físicos. Os novos disciplinamentos de corpos na universidade serão aspectos fundamentais nas discussões sobre a retomada de cursos presenciais no Brasil, assim como já ocorre em outros países.
O semestre letivo poderá retornar sem a permissão de reuniões físicas em grupos até que se tenha vacina e tratamento comprovadamente eficazes e com acesso universal para toda a população. Esse cenário tem promovido o surgimento de propostas excepcionais para o ensino universitário após a fase de isolamento social cujas implicações mereceriam ser aprofundadas.
O ensino a distância depende de uma série de fatores e planejamento cuidadoso que envolva toda a comunidade universitária. O acesso à internet com equipamentos compatíveis para aulas virtuais é requisito básico. Não há solução rápida sobretudo em um país desigual como o Brasil. O uso à rede mundial de computadores não pode ser banalizado nem feito sem o treinamento e a oferta dos recursos necessários para que docentes e estudantes usufruam das tecnologias da informação com igualdade de oportunidades.
Nem todos os discentes dispõem de equipamentos, treinamento e condições domiciliares para aulas remotas. E, se dispõem, a sobrecarga de trabalho doméstico e outras questões podem ser obstáculo ao ensino remoto, sobretudo no caso das discentes e docentes. A adoção de tecnologias da informação, ainda que temporariamente e restrita a algumas disciplinas, deveria ser condicionada à realização prévia de censo universitário, mais do que pesquisas por amostragem. As condições de vida durante a pandemia são referencial para construir novas possibilidades.
Somos capazes de pensar em estratégias de retorno compatíveis com a preservação da vida. Mas necessitamos ampliar o apoio sem vetos irresponsáveis às indicações científicas para combate da pandemia e defesa de todas as vidas. A pandemia possui agência e tem alterado a paisagem educacional com seus regimes de trabalho e rituais acadêmicos. Necessitamos de mais recursos humanos e materiais para a educação diante dos interditos sanitários agravados pela crônica desigualdade social. O ano de 2020 poderá ser conhecido como aquele em que diminuímos a quantidade de semestres letivos e o ritmo de aulas porque nossa prioridade era ensinar e salvar vidas.
* Doutor em ciências da saúde, é professor da Universidade de Brasília
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