O Brasil está a anos-luz de ser um país que combate efetivamente a violência contra crianças e adolescentes. Esse fato desolador inclui, claro, o processo de cuidado e educação deles. O governo não toma nenhuma iniciativa incisiva pelo direito de meninas e meninos de serem ensinados sem agressões físicas ou psicológicas. Na sociedade, somente algumas abnegadas entidades estão empenhadas na defesa deles.
E por que a indiferença generalizada? Porque no Brasil são culturais os abusos físicos e psicológicos contra crianças e adolescentes para “discipliná-los”. Pais ou responsáveis são vistos como detentores do “direito” de aplicar castigos e humilhações para “corrigir”. É a maldade naturalizada.
Por causa dessa mentalidade cruel, covarde e arraigada, pessoas que têm condições de usar sua influência para combater o mal fazem é apologia à violência, como líderes religiosos. Caso do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro. Em vídeo de 2016, intitulado “A vara da disciplina”, o pastor de igreja evangélica defende o uso de castigos físicos para educar crianças. “A correção é necessária pela cura. Não vai ser obtida por meios justos e métodos suaves. Deve haver rigor, severidade. E vou dar um passo a mais, talvez, algumas mães até fiquem com raiva de mim: deve sentir dor”. É repulsivo, para dizer o mínimo.
Há uns dois anos, um padre, também em vídeo, deu declarações igualmente revoltantes. Disse ele: “Quando você bate no filho, ele ameaça chamar a polícia, o Conselho Tutelar, porque a escola ensina isso. Aí você fala: ‘Chama mesmo, mas você vai apanhar antes e depois’”, ensinou, diante de grande plateia. “Quando a polícia chegar, você diz: ‘Se quiser educar, leva, que é teu. Se não quiser, dentro da minha casa não dê palpite. Estou educando’”. Ele recebeu aplausos entusiasmados. Lastimável.
Aviso ao novo ministro da Educação e a esse padre, pregadores da violência contra indefesos: desde 2014 está em vigor a Lei Menino Bernardo, estabelecendo o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. Só a necessidade dessa lei já mostra como a sociedade é sádica com os mais vulneráveis.
A Rede Não Bata, Eduque — cuja missão é desnaturalizar a prática maléfica — lembra que, em 2019, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) recebeu mais de 86 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Os abusos físicos corresponderam a 38% (33.374) das ocorrências. Setenta e sete por cento das agressões foram cometidas por pessoas que deveriam protegê-los: 40% pela mãe, 18% pelo pai, 6% pelo padastro, 5% pelos avós e 8%, outros familiares. A casa da vítima apareceu em 52% dos casos como sendo o local onde a brutalidade ocorreu. São números devastadores.
Em nota sobre as declarações de Milton Ribeiro, a entidade diz: “Instamos o novo ministro da Educação, como representante do Estado, a se posicionar publicamente em favor de uma educação sem violência”. Ele poderia começar liderando campanhas maciças para divulgar a Lei Menino Bernardo, o que nenhum órgão do governo faz. Os dados do Disque 100 mostram a urgência de sensibilizar a população para educar com diálogo, respeito e, principalmente, afeto.