O coronavírus avança, as verdades envelhecem e é difícil dizer o que vem pela frente. A pandemia da covid-19 assolou o mundo e chacoalhou as relações jurídicas. Enquanto navegamos nesse mar de incertezas, o Banco Central projeta, desde junho, uma retração de 6,4% no Produto Interno Bruto (PIB) 2020.
No âmbito trabalhista, a crise não será diferente. Dados do Ministério da Economia apontam crescimento de 53% no número de pedidos de seguro-desemprego em comparação com o mesmo período de 2019.
As maiores dúvidas, portanto, não recaem sobre as consequências da pandemia, mas tocam a extensão delas. Sem prejuízo, a turbulência promovida nas relações jurídicas tende a se agravar em igual ou pior proporção.
A necessidade impõe mudança. As divergências multiplicam-se em diversas áreas, famílias se partiram, empregos se perderam, contratos foram revisados ou rompidos e sociedades deverão ser reformuladas ou extintas. Para todas as hipóteses, a ação judicial sempre foi tida como a melhor ou única solução dos impasses.
O Poder Judiciário certamente será exigido, mas crença de que a judicialização é o único e melhor meio de solucionar controvérsias não se adapta aos novos tempos. E isso não é desmerecimento da nossa Justiça, muito pelo contrário. A Justiça Brasileira mostra-se atenta à necessidade de criatividade e inovação, o que lhe permite, também com muito esforço, apresentar altos índices de produtividade.
Durante o período de adoção do trabalho remoto, o Superior Tribunal de Justiça proferiu 170.174 decisões. O que seria impossível, se não improvável, sem a utilização de sistemas eletrônicos de trabalho e julgamento. A propósito, a modernização tecnológica e o regime remoto foram implementados pela corte antes que muitos escritórios de advocacia o fizessem. Entretanto, apesar da eficiência e do esforço, há que reconhecer a necessidade de redução do volume de casos que ingressam no Poder Judiciário.
Durante a pandemia, o contrato de aluguel foi um dos protagonistas na Justiça brasileira, com diversas decisões proferidas em sentido contrário. Além disso, segundo o último relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio de sentença na Justiça Estadual é de 2 anos e 4 meses. Portanto, a sentença nem sempre atende aos interesses do “vencedor”.
Por esta razão, inúmeros são os exemplos de pessoas que optaram por renegociar os próprios contratos, solucionado a divergência por meio da autocomposição, um dos métodos alternativos de resolução de conflitos.
O Conselho Nacional de Justiça promove, desde 2006, o Movimento pela Conciliação, cuja missão é contribuir para a efetiva pacificação de conflitos, bem como para a modernização, rapidez e eficiência do Judiciário. Seguindo o mesmo caminho, o Código de Processo Civil impõe política estatal de promoção da solução consensual de conflitos e estimulação de instrumentos de solução alternativa, como conciliação, mediação e arbitragem.
Durante a crise sanitária do coronavírus, além da comemoração do quinto aniversário da Lei de Mediação, o município de São Paulo publicou nova legislação que tem o objetivo de estimular e promover a solução adequada e consensual de conflitos, além de reduzir a litigiosidade no âmbito da administração pública municipal direta e indireta.
Legislativo e Executivo têm reconhecido que não se deve relegar ao Judiciário a missão exclusiva de solucionar litígios, tradição ensinada durante anos na formação dos advogados. A pandemia catalisou mudanças comportamentais e afetou as relações jurídicas. Criatividade e inovação são atributos essenciais aos que desejam se manter minimamente estáveis no cenário de incertezas e recessão econômica. Agir de forma rápida e decisiva é fundamental.
No âmbito jurídico, os métodos alternativos de resolução de conflitos representam tais valores, de modo que a conciliação, a mediação e a arbitragem podem, e devem, ganhar maior espaço. No mundo que exige cada vez mais velocidade, a cultura do processo é a nova máquina de datilografar.
* Advogado especialista em métodos alternativos de resolução de conflitos