Seremos severamente impactados e os danos vão permear muitos setores da sociedade. Somente neste ano, a previsão é de queda de 22,9% nas vendas de destilados, segundo dados da Euromonitor International. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) indica redução de 80% nas vendas e no faturamento de bares e restaurantes — onde ocorre mais de 60% do consumo de bebidas alcoólicas. Mais de 20% desses estabelecimentos fecharam definitivamente e o segmento estima mais de 1 milhão de demissões.
Nosso setor atuou para conter os efeitos da crise em toda a cadeia e ainda apoiar o governo e a sociedade. Os fabricantes produziram ou envasaram mais de 200 mil litros de álcool 70%, doados às Secretarias de Saúde e instituições. As principais marcas assumiram, ainda, o compromisso de amparar bares e restaurantes, disponibilizando, até o momento, cerca de R$ 14 milhões aos estabelecimentos.
Como efeito cascata, o setor viu a produção despencar 59,1% em abril, em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados do IBGE. Para ter ideia da magnitude do impacto econômico, em pesquisa feita pelo Ibrac, mais de 65% dos participantes (empresas de cachaça) tiveram redução de mais de 50% nas vendas.
A pandemia ressuscitou, ainda, a lei seca, com a proibição da comercialização e do consumo de bebidas alcoólicas em vários municípios. Tal medida é repudiada por órgãos internacionais, como a Aliança Internacional de Combate ao Comércio Ilegal (Tracit). Primeiro porque acaba estimulando a demanda por álcool ilícito. E, segundo, porque traz riscos à saúde das pessoas, que acabam ingerindo bebidas sem controle, sobrecarregando o sistema de saúde que se pretendia desafogar. No México, por exemplo, 100 pessoas morreram em um intervalo de duas semanas por consumirem bebidas com álcool adulterado, em localidades em que a venda estava proibida.
Antes da crise, nosso setor tentava se recuperar do baque provocado pelas normas instituídas em 2015, que alteraram a sistemática de cobrança e estipularam alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os destilados entre 25% e 30%, enquanto reduziram a da cerveja de 15% para 6%. A medida teve impacto desastroso para os destilados. A cachaça, que representa 70% do mercado, sofreu reajustes de mais de 200% apenas no valor do IPI pago por alguns produtos, em função das mudanças. Se, por um lado, o governo pretendia ampliar a arrecadação com o aumento do IPI para destilados, por outro, abriu mão de receita ao ter reduzido o IPI da cerveja para 6%.
Em paralelo, o crime organizado lucra mais de R$ 3 bilhões anualmente com a comercialização de bebidas ilegais, que chegam a ser até 70% mais baratas do que as destiladas legais. A evasão fiscal decorrente impôs perda de R$ 10 bilhões para os cofres do governo só em 2017. Por essas razões, a tributação dos destilados já está além do ponto ótimo da curva de Laffer — ou seja, o governo mais perde do que ganha ao praticar impostos tão altos.
Diante dessa conjuntura, não é justificável falar em aumento de impostos nem mesmo na criação de mecanismos de tributação, como o Imposto Seletivo, que poderá representar aumento da já elevada carga tributária imposta ao setor de bebidas destiladas. A verdade é que impostos dessa natureza pouco impactam o consumo nocivo de álcool e, uma vez mais, acabam estimulando o mercado ilegal e o crime organizado, prejudicando a sociedade e a indústria legítima.
A isonomia tributária e regulatória no setor de bebidas alcoólicas é o caminho. Caminho que passa pela eliminação das assimetrias e a promoção de ambiente competitivo saudável, menos oneroso e indutor do desenvolvimento, que gere empregos e renda, cruciais neste momento de recessão global, e desestimule o mercado ilícito, que está sempre à espreita das brechas abertas por políticas ineficientes. A hora é agora.
* Diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac)
* Diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac)