O transcurso dos 20 anos da morte do governador Mario Covas — um político que, acima de tudo, honrou os mandatos e os eleitores — motivou a lembrança do famoso diálogo entre dois personagens da peça “Vida de Galileu”, do dramaturgo alemão Bertholt Brecht (1898-1956). Um deles lamenta: “Infeliz do país que não tem heróis”. O outro rebate: “Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis”.
Os vergonhosos casos de corrupção ocorridos nos cinco séculos de história e os graves problemas éticos do dia a dia demonstram que, apesar dos esforços e dos avanços verificados na ética e na valorização da cidadania, o Brasil — e também dezenas de outros países, em toda escala de desenvolvimento — enquadra-se na fala do segundo personagem: “Infeliz do país que precisa de heróis”.
As nações não necessitam de heróis. Afinal, ser ético, correto e honesto é o mínimo que um cidadão (na acepção plena da palavra) deveria oferecer à sociedade em que vive, seja ele político ou não. A ausência de comportamento ético com todas as suas consequências é mais danosa quando a vítima é um país em desenvolvimento, onde há tanto o que fazer.
Ou alguém duvida, por exemplo, de que o dinheiro drenado pela corrupção, se bem investido, teria possibilitado avanço maior e mais rápido rumo a um país mais moderno, menos desigual e mais bem equipado para assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento?
Quando, nos poderes constituídos e no tecido social, há a prevalência de interesses pessoais, corporativos ou de grupos sobre as demandas mais legítimas da sociedade, macula-se a democracia, aprofundam-se as desigualdades e dissemina-se a descrença na justiça e nas instituições. Nos regimes de democracia plena, quando recebe o poder pela força do voto, o cidadão eleito deve exercê-lo, pautando-se por inabalável consciência ética.
É fundamental resistir às tentações inerentes ao poder, repudiar, denunciar e punir os corruptos e corruptores para evitar a repetição de vícios milenares. Essa é a parte dos políticos em cargos representativos. Já a tarefa de cada um dos cidadãos eleitores seria recorrer à consciência cívica para depurar, pelo exercício do voto, o universo dos cargos eletivos.
Esse é o cenário ideal da cidadania, não o retrato da realidade neste século 21. Entretanto, há sinais animadores no horizonte que, se vierem constituir saudável tendência, poderão resultar no saneamento da cena política e das interfaces com poderosos segmentos da sociedade. Diante das primeiras denúncias do escândalo que viria a ser conhecido como mensalão, poucos brasileiros duvidavam de que o caso terminaria em impunidade, como tantos outros.
Anos depois, o Supremo Tribunal Federal, consagrando o princípio maior de que a lei é igual para todos, impôs penalidades aos réus culpados. O grande arranhão na impunidade quase certamente é o mais benéfico efeito da Ação Penal 470, relatada de maneira exemplar pelo ministro Joaquim Barbosa e examinada com competência jurídica e visão ética pela consagradora maioria dos pares.
Lembrando Monteiro Lobato, “tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois, fazemos”. E todos os que sonharam com um Brasil mais ético começam — e esperamos que esta visão não esteja distorcida por excesso de otimismo — a vislumbrar ações que podem conduzir a história a novo patamar. Há a Lei da Ficha Limpa, que teve como motor a manifestação de milhões de brasileiros contra a corrupção e a impunidade.
É a semente da esperança do surgimento de nova geração de candidatos que coloquem o bem comum como o grande objetivo da atuação política, invertendo a prevalência do interesse pessoal e da conquista do poder a qualquer preço. A ética está deixando de ser capítulo árido do curso de filosofia para permear a grade curricular das universidades. Até porque, em última instância, elas são centros de geração de conhecimentos e pensamentos capazes de forjar mudanças na sociedade.
Manifesto a esperança de que os movimentos pela ética consigam mandar para a lata do lixo conceitos e práticas que mancham a imagem do Brasil no mundo, enfraquecem valores da cidadania e deformam as novas gerações ao retirar-lhes a perspectiva de paz, justiça e igualdade social.
*Advogado, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea)
*Advogado, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea)