A teoria das transformações, possivelmente também provocadas por epidemias, criada por William Strauss, professor de direito em Harvard, e Neil Howe, consultor da Hedgeye Risk Management, ensina que a história cria mutações em degraus. Esses níveis são marcados por momentos de grandes crises, que semeiam a criação de ordens sociais. Curiosamente, na publicação do livro Gerações, em 1991, William e Neil disseram que “o inverno está chegando e o clímax da crise está previsto para 2020”.
A pandemia da covid-19 pode ser o mal que vai gerar algum bem. O mundo pós-pandemia parece já mostrar novo rosto. A instituição chamada Estado começa a demonstrar sua utilidade e necessidade. Por mais liberal que seja a economia, o povo não sobrevive quando saúde, segurança e educação lhes faltam. A mão poderosa do Estado torna-se urgente.
Como o comércio, serviços e indústria no Brasil poderiam sobreviver se o governo não tomar a si bilionárias providências emergenciais? Brasília, capital da República, é bom exemplo. A cidade vive sensivelmente de serviços e tem uma economia mercantil sufocada pela dificuldade de crédito. Há perigoso risco se a União não surgir como fiadora do desenvolvimento, pois a pandemia exige novo olhar governamental. A população tomou essa consciência, e governo algum jamais poderá ter credibilidade no futuro se não exibir seu verdadeiro papel.
A internet conseguiu mostrar sua grande utilidade para a classe média e populações de pouca renda, o comércio a distância veio para ficar, o sistema bancário começa a perceber que sua existência depende de nova visão sobre o crédito. Dinheiro é mercadoria como outra qualquer e, para ser comprado, precisa ter preço baixo. O respeito à ciência é outro aspecto que está se incorporando à consciência coletiva. A desobediência cede lugar ao medo, e o conceito de renda mínima se concretiza com a existência dos auxílios emergenciais à pobreza.
Tudo indica que o trabalho a distância vai diminuir os custos, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida dos que produzem. Também é perceptível o fortalecimento da solidariedade com as comunidades carentes. Fez que o Brasil perceba, por exemplo, que nossa economia não é pobre, mas, simplesmente, injusta. Na mesa, a pandemia nos dá lições quando ensina o valor da alimentação saudável.
Muitas das mudanças estavam em gestação. Essa gripe que mata pode ter sido aceleradora do processo. A crise econômica que se criou revela a parte fraca da cadeia social. Os grupos mais atingidos pela doença e falência econômica são os constituídos pelas pequenas empresas comerciais e as populações vulneráveis.
O mundo pós-pandemia é publicação dirigida por José Roberto Castro Neves, doutor em direito e mestre pela University of Cambridge, que reuniu 49 personalidades da ciência, economia, política, educação e saberes de humanidades para responder sobre o day after da calamidade vivida por todos.
Há unanimidade em torno das consequências do isolamento durante a pandemia. Destaca-se a reintegração dos prazeres da vida nas residências: compras a distância, a alegria das refeições familiares e o aquecido conforto da presença dos pais durante o dia todo.
Jonathan Portes, professor de economia e políticas públicas na King’s College de Londres, e um dos colaboradores do livro de Castro Neves, destaca que a covid-19 não empobrecerá os países. Caso aconteça, a culpa será das escolhas políticas, não da epidemia.
As lições sempre chegam pelo olhar da própria experiência ou reflexões de formadores de opinião. Percebemos que a vivência da dor pode nos trazer sabedoria, e os momentos de vitória, gerar enormes alegrias. Ambos são indispensáveis na vida. Um mundo solidário e sustentável não é mais opção, mas exigência da própria reinvenção da humanidade.
* Preidente do Sistema Fecomércio-DF
* Preidente do Sistema Fecomércio-DF