Beirando o precipício das 70 mil mortes, o Brasil vai descendo a ladeira. Rápido e sem a menor certeza do caminho de volta. Quando se conta essa quantidade imensa de vidas perdidas e famílias destruídas em tão pouco espaço de tempo, a sensação é a de que, aos poucos, a morte foi banalizada. O quanto farão falta essas pessoas? Suas famílias sabem, seus amigos, vizinhos e conhecidos também sabem. Mas o Brasil ainda não sabe.
A ressaca da pandemia terá gosto amargo. Não só aqui, mas, no mundo, a economia sofre os efeitos e não vai se recuperar facilmente. Entre as pessoas que se foram, havia aposentados, trabalhadores, empresários, artistas, jovens promissores, grávidas, crianças. Juntas, essas pessoas sustentavam a esperança de dias melhores para muitas famílias. Não podemos simplesmente deixá-las no esquecimento. Honrar a memória dos mortos dessa pandemia é essencial para ressignificar essas perdas.
O poder letal do coronavírus já superou o do crime, de desastres e de diversas doenças. Também já demonstrou que um país desigual, corrupto, desorganizado e mal-educado nem precisa de caixa preta para guardar os segredos de seu fracasso. Basta olhar em volta. Superfaturamento de compras, hospitais de campanha que não funcionam, respiradores que não chegam, estoques de medicamentos que ninguém vai usar e a falta de insumos básicos para proteger profissionais nos hospitais, aliviar a dor e assegurar tratamento.
Já estamos descendo a ladeira há muito tempo. Aliás, às vezes me pergunto, quando foi que subimos. Não há exatamente, culpados únicos pelos nossos problemas crônicos. O que existe é a falta de reconhecimento do que, de fato, somos. Conhecido pelo país do riso frouxo, do rebolado maneiro, do jeitinho irresistível e das belezas naturais, o Brasil é, na verdade, uma piada pronta. Sem reconhecer nossas imensas mazelas, nosso DNA racista e o ranço das elites contra a pobreza, seremos sempre miseráveis, ainda que tenhamos muito dinheiro, pleno emprego e uma economia pujante.