Correio Braziliense
postado em 11/07/2020 04:14
A morte do povo preto não pode continuar passando despercebida. Mas o que esperar de uma sociedade racializada? O genocídio da população não branca transforma em estatísticas vidas que se perderam sem chance de defesa. Ser negro é marcador social. E quem é negro sente na pele a dor de ser negro em um país onde o racismo prevalece. A Lei nº 7.716, de 1989, de autoria do deputado Carlos Alberto de Oliveira, daí ser mais conhecida como Lei Caó, criminaliza o racismo e possibilita ferramentas que poderiam mudar o cenário de violência atual. Mas o que faz uma lei valer é o uso. Ela precisa ser popularizada, trabalhada nas escolas e nas bases para que os jovens tenham conhecimento dela e se apropriem de seus efeitos. Até quando uma mãe preta vai chorar?
Há uma hierarquização, uma sociedade hegemônica que alimenta as desigualdades sociais, omitindo da população preta o acesso aos seus direitos, deixando-a à margem, em situação de risco e vulnerabilidade social. Naturalizando, diariamente, a morte dos jovens negros, que continuam tombando diante de um quadro generalizado de violência e opressão.
Não podemos ficar omissos frente a tantas atrocidades. Precisamos desconstruir as estruturas excludentes que se retroalimentam e mantêm a desigualdade, a apartação social e nos insere em uma inclusão perversa, matando irmãos nossos, tirando-nos a liberdade de ser quem somos, de construir nossa identidade e vivê-la de forma plena. A sociedade questiona a legitimidade de nossas ações, cultura e etnia, não levando em conta que o Brasil é o segundo país do mundo em população negra. Uma população que é de luta, resistência, mas que, infelizmente, ainda hoje perde vidas em razão de desigualdades e injustiça.
O conceito de raça é usado para segregar e oprimir uma população que, ainda hoje, é invisibilizada, tendo os direitos humanos violados. O racismo estrutural simbolicamente mantém o povo preto no tronco. Sem voz e anestesiado pelo sofrimento psíquico, leva com ele as dores de ser negro em um país patriarcal, machista, racista e classista. O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 diz que somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. E que a prática do racismo constitui crime inafiançável. Direitos que não são respeitados. Há no Brasil uma coisificação. Negros e negras deixam de ser vistos como pessoas e são tratados como coisas, deixando à mostra uma sociedade cruel e desumana adoecida por padrões e valores deturpados que julgam e condenam pessoas por sua cor, raça e classe.
As mulheres negras lutam contra machismo, racismo e exclusão. Há diferença enorme nas construções sociais de ser mulher e ser mulher negra. Existe uma desigualdade histórica que privilegia a população branca em detrimento da não branca. A nossa sociedade embasa comportamentos racistas e discriminatórios que se perpetuam e seguem ceifando vidas inocentes.
Precisamos lutar por uma sociedade mais justa, que se organiza no sentido de superar as injustiças sociais. A luta antirracista é de todos nós. Precisamos nos indignar e deixar claro para a sociedade que não admitimos racismo, não toleramos, e nada nem ninguém vai nos silenciar.
Nós, brasileiros, somos descendentes, sim, de povos africanos, e reconhecer nossa ancestralidade é passo importante para termos o direito à cidadania e lutarmos por políticas afirmativas. É inconcebível que, em pleno século 21, continuemos ignorantes em relação à cultura, etnia e tradições do povo preto. Ser negro transcende a cor. A ignorância gera preconceito racial que se manifesta de forma violenta, como os assassinatos dos jovens negros e a destruição das casas religiosas tentando tirar do negro a identidade. A exclusão viola o principal direito humano, que é o direito à vida, e coloca a população não branca em uma realidade de terror e sofrimento, em que se tornam apenas dados estatísticos.
E todas essas situações reais de lutas e sofrimento são naturalizadas socialmente, impedindo a população negra de ter acesso a direitos humanos fundamentados, instituídos e efetivados. Para que haja mudança, lutemos por um Brasil melhor, sem racismo e com igualdade plena. Esse é nosso compromisso. E nossa esperança.
*Membros da Comissão da Igualdade Racial da OAB-DF
*Membros da Comissão da Igualdade Racial da OAB-DF
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