O pedido do presidente argentino, Alberto Fernández, para que sejam aparadas as arestas entre as nações do Mercosul, precisa ter boa acolhida no Palácio do Planalto e no Itamaraty, que deram mostras de cunho ideológico quando o assunto são as relações entre os estados membros do tratado de livre comércio assinado nos anos 1990 entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O tamanho da crise econômica no pós-pandemia do novo coronavírus ainda não foi mensurado, mas o certo é que atingirá todo o bloco e somente com efetivas ações conjuntas os efeitos negativos poderão ser mitigados.
Na avaliação do mandatário do país vizinho, além do enfrentamento ao avanço da covid-19, os integrantes do Mercosul devem concentrar seus esforços na eliminação das diferenças entre eles, tendo em vista as medidas que poderão contribuir para contornar a crise que se avizinha. Entender que a integração regional será capaz de evoluir se acabarem as arestas entre as relações dos governos. Na primeira reunião virtual do bloco, motivada pelo distanciamento social imposto pela pandemia, Fernández fez questão de sublinhar que “a reunião do Mercosul é uma reunião dos nossos povos, e isso dever ser colocado adiante dos que governam hoje”. E pediu para que as questões ideológicas fossem colocadas de lado em benefício de todos.
O presidente Jair Bolsonaro criticou o colega argentino durante a campanha eleitoral, no ano passado, que levou o peronista Fernández à Casa Rosada, sede do governo. O mandatário brasileiro apoiou, abertamente, o então presidente Mauricio Macri, canditado à reeleição, chegando a dizer que, se ele perdesse, a Argentina iria trilhar o caminho da bolivariana Venezuela, o que causou forte mal estar nas hostes do postulante peronista. Para acirrar ainda mais as relações bilaterais, Bolsonaro não compareceu à posse de Fernández. E não manteve qualquer canal de diálogo direto com o chefe da nação vizinha, o principal parceiro comercial do Brasil na América Latina.
Na mesma linha do argentino, o presidente do Uruguai, Lacalle Pou — ele assumiu a presidência rotativa do Mercosul — enfatizou que o bloco deve priorizar o equacionamento das discordâncias relativas ao acordo com a União Europeia, assinado em 2019. As negociações com a UE estão cada vez mais complicadas devido aos questionamentos sobre a política ambiental do Brasil, onde as queimadas, o desmatamento e a postura do atual governo assustam os europeus. No início do ano, o Parlamento da Holanda votou contra o acordo e, recentemente, o presidente francês, Emmanuel Macron, também mostrou-se alinhado aos holandeses.
Bolsonaro tentou tranquilizar seus colegas ao revelar ter instruído seus auxiliares a “desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil” no exterior, numa tentativa de desconstruir a imagem negativa que a Europa tem do governo brasileiro em relação ao meio ambiente. Espera-se que demonstrações de boa vontade prevaleçam e que os problemas conjuntos sejam abordados e resolvidos dentro de um clima de entendimento e de respeito mútuo, sem interferências ideológicas. Tanto no Cone Sul do continente quanto do outro lado do Atlântico.