É possível que um processo de desintoxicação dessas tecnologias ocorra, junto com a necessidade de tomar vitamina D pelos meios naturais, num desconfinamento à beira-mar e de usufruir da intensa e útil fofocagem nos coffee breaks dos seminários mundo afora. Claro que mudanças de comportamento deverão ocorrer. O teletrabalho será uma delas, adotado por empresas bem antes da pandemia. Lembram do Virando a própria mesa, do Ricardo Semler? Isso poderá ser útil para as organizações, redimensionando os espaços, estimulando os colaboradores e, também, para a sociedade, com a diminuição na demanda do sistema de transporte, por exemplo.
Não há nada nem ninguém que possa afirmar que o presencial desaparecerá na fibra ótica das redes de internet. O estabelecimento de laços entre as pessoas torna-se importante pessoal e profissionalmente. Mas, evidências surgem e ultrapassam os debates ideológicos que lhes retiravam a unanimidade: o Estado é importante. E não apenas para garantir a segurança e os contratos, no estrito modelo liberal, mas para garantir saúde — que em boa parte do mundo continua sendo mercadoria — e apoio social e econômico. Empresários, tradicionalmente vocacionados para o liberalismo, clamam por ajudas e algumas muito, mas muito gordas, como no setor aéreo.
Trabalhadores formais e informais necessitam de apoio do Estado para ultrapassarem a inatividade ocasionada pelo confinamento. A educação, considerada mercadoria em muitas sociedades, mostra-se fragilizada sem a intervenção pesada do Estado, na presente situação. Onde o Estado parece mais robusto e ágil, a crise tem tido respostas mais efetivas. Outro aspecto que sobressai é a globalização, em que os países não detêm a integralidade das cadeias produtivas e ficam à mercê de outros para insumos que vão de simples máscaras de tecido de celulose a seringas descartáveis, mas, também. a medicamentos e a aparelhos de respiração artificial, assim como alimentos.
Na Europa, onde a desindustrialização acentuou-se na crise de 2007, chegando a 2014 com 90% do total da produção anterior e 3 milhões de desempregados, essa discussão já tinha tido início há, pelo menos, cinco anos. Agora, tem lugar nos países centrais — França e Alemanha — e já impulsiona as Bolsas de Valores, associada a outro debate, o já chamado “Novo Plano Marshall”, em apreciação pela Comissão Europeia, em Bruxelas.
Essas mudanças terão impactos diferentes de acordo com a estrutura econômica de cada país e as posturas de sociedades e de governos no interior do bloco europeu e deverão considerar o ambiente mundial, com o posicionamento dos outros três grandes players: China, Rússia e EUA, um deles apontando para saída tumultuada da crise.
Em Portugal, nota-se tom eufórico nos discursos do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e do primeiro-ministro, o socialista António Costa. O plano de relançamento da economia é visto como janela de oportunidade para o país, que sofre com a evasão dos jovens e tem o seu produto centrado no setor de serviços. Portugal conta com mão de obra bem formada, em centros de ensino e de pesquisa de qualidade, que poderá se incorporar ao processo, ficando no país. A remuneração média do trabalhador português, abaixo da média europeia, é fator de atratividade para novas localizações industriais e agrícolas.
Mas outros desafios têm de ser enfrentados e a energia é talvez um dos mais complicados. Atualmente, a indústria consome um quarto da energia disponibilizada no bloco, com custos sempre crescentes e muito superior, por exemplo, à norte-americana. E a produção de energia esbarra frequentemente em questões ambientais. Investimentos significativos em inovação, formação, internacionalização, assim como apoios às PMEs e facilitação do acesso a financiamento, são elementos-chave no processo, em que os pequenos deverão ser priorizados.
* Membro da Ordem do Mérito – Ordens Honoríficas Portuguesas – no grau de comendador,
foi secretário substituto da Secretaria de Inovação, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior