Opinião

O mau uso da racionalidade faz mal

''E a nossa racionalidade? Segundo os dicionários, é característica, pelo uso da razão, que separa o homem dos demais animais, colocando-o em um nível superior''

Como milhões de seres humanos, inclusive, com certeza, o gentil leitor deste artigo, tenho sofrido muito, neste tempo de pandemia, com a histeria coletiva causada pela propaganda maciça, opressiva, nos veículos de comunicação e nas redes sociais, mandando que os seres humanos se cuidem e, para isso, se isolem – porque, se não, como o carcará da música, o corona pega, mata e come.

Avô de cinco netos (Eloah, Theo, Sofia, João e Hannah), como milhões de pais e avós no mundo inteiro, sou obrigado a usar apertada máscara (que me força a aspirar o perigoso gás carbônico que meu nariz exala) e a me manter longe das pessoas. Meus netos reclamam de eu não mais abraçá-los e beijá-los como antes. Será que pensam que não gosto mais deles? E quem impede meus netos de me darem beijos e abraços? Os preocupados pais, meus amorosos filhos. Não é um trem de doido?

Animal racional que sou, resolvi analisar em público, já que deve interessar a todos, o que anda acontecendo com todos nós, impactados seres humanos. Por que a natureza, que é nosso berço, continua firme e forte, sem ligar para a pandemia? Vejo, lá fora, que os passarinhos continuam cantando e voando, as árvores plenas de vida, exalando o oxigênio que nos é vital. A pandemia é só contra nós, animais racionais?

Epa! A palavra animal virou um xingamento. Por isso, algumas socialites e intelectuais repugnam sua condição de animal. E, embora tal palavra nos traga, hoje, a imagem de um ser inferior, um bicho, não podemos negar a nossa original condição de animal, que é um substantivo, ao qual Deus teria acrescentado, talvez para ficarmos à sua imagem e semelhança como reza a Bíblia, um adjetivo forte: racional. Sim, animais e racionais. É o que somos.

Pesquisando o assunto, levei um susto ao saber que um dos melhores humoristas brasileiros, Flávio Migliaccio, deu fim à própria vida, deixando uma carta em que disse: “A humanidade não deu certo”. Logo depois, vem o ex-presidente Lula e me dá outro susto ao desabafar: “Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus”.

Humanidade. O que quer dizer isso? De acordo com os dicionários, humanidade é o conjunto formado pelos seres humanos. De um ponto de vista mais simpático, também representa um sentimento de bondade, benevolência em relação aos semelhantes; ou de compaixão, piedade em relação aos desfavorecidos.

E a nossa racionalidade? Segundo os dicionários, é característica, pelo uso da razão, que separa o homem dos demais animais, colocando-o em um nível superior. Se somos um bicho melhor, será que temos usado a tão nossa maravilhosa racionalidade para interagir com os semelhantes com solidariedade, cuidado, respeito, paciência, empatia, compaixão? Lamentavelmente não.

Também falta à tal racionalidade, da forma que a usamos, o amor, tão pregado por Cristo, que, como está na Bíblia, resolveu virar um ser humano para nos salvar. A experiência vivida por Jesus parece bem explicada por Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual. Somos seres espirituais passando por uma experiência humana”. Acredito nisso.

A propósito, Cristo veio nos salvar de quê? Deve ter sido para salvar o ser humano dos deletérios efeitos de quem pratica mal a racionalidade desde os tempos da conhecida interação Deus, Adão, Eva, cobra e maçã, no Jardim do Éden. Tem lógica: as informações — lamentáveis — que temos é que o máximo de uso do cérebro racional, da invenção do tacape até a energia nuclear, foi para os seres humanos se matarem uns aos outros. Será que a natureza, tão agredida pelo privilegiado ser humano, resolveu usar o corona para se vingar?

Com essas considerações, que julgo de utilidade pública, não tive intuito de pregar desobediência às normas emanadas das autoridades, também surpreendidas com a pandemia — e, pior, sem saber até quando ela vai continuar. Quem puder, fique em casa. Quem quiser, que se isole. Eu fico na minha: vigiando e orando.

Finalmente, acho que o assustador título da matéria faz, agora, mais sentido a todos os que estamos com medo. De fato, o mau uso da racionalidade faz muito mal aos animais que somos. A notícia boa é que estamos tão ruins que podemos melhorar — e muito. No mais, como diria aquele filme famoso: Assim caminha a humanidade. 


* Escritor, advogado e jornalista, preside a Confraria dos Cidadãos Honorários de Brasília