Opinião

Visto, lido e ouvido

Antidemocracia ou anticorrupção?

De todas as variáveis possíveis que envolvem os diversos casos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos, a maior certeza e o ponto fundamental que têm possibilitado o prosseguimento das ações são dados pelo apoio maciço da população ao combate de desvio de dinheiro público. A população, principalmente a de baixa renda, sente, na própria pele, os efeitos nocivos e fatais que a corrupção provocou na vida da maioria dos brasileiros.

Pesquisa, encomendada pela consultoria Crescimentum e pelo Instituto Britânico Barret Values Centre, mostrou que, embora a corrupção tenha definido o comportamento do Brasil nos últimos anos, a honestidade é a marca que melhor traduz o brasileiro comum, seus valores pessoais e sua cultura. Em outras palavras, o que se tem é um país onde a nação honesta e trabalhadora é governada por uma elite, na maioria, sem escrúpulos e que conduz os negócios do Estado e da República como se fosse propriedade privada, sobre a qual acreditam deter todo o controle, inclusive para desviar verbas. Para o cientista social Eduardo Giannetti, o brasileiro é outro. Ou seja, ele não se reconhece naquilo que está presente ao seu redor, talvez porque não perceba, claramente, que a realidade à sua volta é resultado direto da interação de todos juntos. 

Esse parece ser o caso comum nas eleições. Em 2017, a percepção da corrupção alcançou, segundo a pesquisa, a incrível marca de 72% da população. Ou seja, sete em cada 10 brasileiros sabiam que ela existia e, de alguma forma, sentiam seus efeitos, mas atribuiam esse fenômeno apenas à ação de seus compatriotas. Outro fato que chama a atenção, nessa e em outras pesquisas, é que se, em 2010, o anseio da população era por justiça social, moradia digna e redução da pobreza, hoje, esse desejo está mais voltado para a oportunidade de educação, compromisso, honestidade e cidadania.
A longa crise social, econômica e política dos últimos anos teve, pelo menos, o condão de mudar a percepção de boa parte da sociedade não somente para os problemas do país, mas, sobretudo, para aumentar o desejo e a atitude de muitos em direção aos valores individuais, fazendo florescer, nos brasileiros, um sentimento mais individualista e voltado, exclusivamente, para as próprias necessidades imediatas. 

O individualismo crescente parece resultar da noção de que o Estado pouco ou nada faz pelos brasileiros, sendo que muitos consideram, hoje, que a melhor estratégia é partir para a luta individual, em vez de esperar por qualquer amparo do governo. Nesse ponto, é preciso salientar que o individualismo, cada vez mais presente na sociedade, pode inverter a própria lógica do Estado, fazendo com o governo passe a depender, cada vez mais, da vontade de uma população indiferente e distante, propícia, inclusive, a considerar a hipótese da desobediência civil.

Os efeitos da corrupção sistêmica, conforme implantada pelos governos petistas e que tinham como objetivos diretos o enfraquecimento do Estado e, paulatinamente, o empoderamento do partido, apesar das investidas da polícia e de toda a revelação da trama, deram frutos diversos. Uns bons. Outros, nem tanto. Ao aumentar a descrença na política, retardou-se a consolidação plena da democracia. As revelações feitas pela política e pelo Minstério Público apresentaram para o distinto público uma elite corrupta e disposta a tudo para enriquecer rapidamente e sem esforço.

Para um país que conta com mais de 700 mil presos, em condições subumanas de cárcere, essas revelações serviram muito mais do que um simples incentivo para a ação continuada no mundo do crime. Deu a essa parcela da população a certeza de que a cadeia ainda é lugar para pretos e pobres. Entender a corrupção como algo moldado pela herança histórica ibérica, em que o patrimonialismo cartorial era a tônica, mostra, apenas, as raízes ancestrais do problema e que faziam parte inerente do sistema mercantilista e colonialista da época.

Transformadas em moedas de troca, dentro do toma lá dá cá generalizado, as nomeações políticas para altos cargos nas estatais têm tido um peso crucial na expansão dos casos de corrupção, servindo como ponta de lança dos partidos para se apoderarem dos recursos da nação. Neste caso, torna-se compreensível o discurso de muitos dirigentes políticos no sentido de o Estado manter controle das estatais. Obviamente, não se trata, aqui, de nacionalismos ou protecionismo da economia nacional, mas tão somente de reservar esse nicho de mercado à sanha desmedida dos partidos políticos. Por aí se vê porque a redução do tamanho do Estado incomoda tanta gente. Vê-se, também, a razão para que o governo Bolsonaro seja obrigado a “articular”, ser “flexível”, “compor”.

Se, por um lado, os muitos casos de corrupção revelados têm servido para mostrar como é fácil desviar dinheiro público, por outro, deixou claro para a população que a corrupção está arraigada na fórmula de fazer política e justiça, principalmente aquela justiça em que deveria haver apenas juízes, o supremo cargo. Pelo conhecimento do modo de agir dos inimigos da sociedade, que se alimentam e onde atuam, ficou mais fácil atalhá-los de vez. Vamos ver quem terá essa coragem.
 
 
A frase que foi pronunciada
Para quem começa a carreira como 
um “doutor sem doutorado”, nada 
mais natural que concluí-la como 
um “meritíssimo sem méritos”.
Julio Curvello, do site Frases Famosas. 


História de Brasília
Os autores do “retorninho” estão explicando, com 
“cara de anjo”, que o Congresso se reuniria no Rio 
somente este ano, e explicam: “até que Brasília possa 
oferecer condições de funcionamento”. 
(Publicado em 10/1/1962)