Opinião

Carpe diem: felicidade, paz, amor e ética

''Carpe diem: aproveite o tempo presente, vivendo-o integralmente, sem pensar no que o futuro nos reserva''

O saudoso amigo cardiologista Adib Jatene costumava dizer que trabalhava cada dia intensamente no consultório e nos hospitais, operando pacientes, visitando convalescentes, exercendo a cidadania (secretário e ministro da Saúde). Numa determinada ocasião, quando da alta do governador Mário Covas do Hospital do Coração, perguntaram ao dr. Jatene se o governador não corria risco de morte voltando a trabalhar mais de 15 horas por dia, como era de seu hábito. Adib Jatene encarou os repórteres e respondeu: “Meus amigos, o trabalho não faz mal a ninguém, o que mata é a raiva”.

Yuval Noah Harari, no mais recente livro, 21 lições para o século 21, no capítulo dedicado à ética sem Deus afirma que você pode ficar espumando de raiva durante anos, sem nunca assassinar o objeto do seu ódio. Nesse caso, você não terá ferido nenhuma outra pessoa, mas terá ferido a si mesmo. Portanto, prossegue Harari, o próprio interesse e não a ordem de algum Deus é que deveria induzir você a fazer alguma coisa quanto a sua raiva. Se você se livrar totalmente dela, vai se sentir muito melhor do que se assassinar um inimigo.

O renomado autor, ao mencionar o que ele denomina de ideal secular, diz que o compromisso secular mais importante é com a verdade, que se baseia em observação e evidência, não apenas na fé. Os seculares, ensina Harari, esforçam-se para não confundir verdade com crença, não santificam nenhum grupo, nenhuma pessoa ou nenhum livro, como se tivessem a custódia única da verdade. Em vez disso, santificam a verdade. O compromisso com a verdade fundamenta a ciência moderna.

No último ano, dois bons amigos nos deixaram — Ney Prado e Paulo Bonfim. Tinham em comum o ensinamento do dr. Adib Jatene: trabalhavam intensamente e não tinham inimigos. O que importa é viver cada dia, praticando o bem, aproveitando o dia — carpe diem.

O excelente suplemento cultural da Associação Paulista de Medicina publicou, no seu número 310, artigo do médico e escritor Luiz Gastão Costa Carvalho Serro Azul, que se aplica ao que estamos refletindo. Sob o título Carpe diem, o autor cita o poeta norte-americano Walt Whitman, lembrado como precursor do verso livre. A sua obra poética centra-se na coletânea Leaves of grass (Folhas de erva) revista e completada ao longo da vida.

Ele traduz o ensinamento de Horácio (65 a.C), filósofo e um dos maiores poetas da Roma antiga, que vale a pena transcrever um trecho: “Aproveita o dia. Não deixes que termine sem teres crescido um pouco. Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos. Não te deixes vencer pelo desalento. Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever. Não abandones tua ânsia de fazer em tua vida algo extraordinário. Não deixes de crer que as palavras e as poesias, sim, podem mudar o mundo. Porque, passe o que passar, nossa essência continuará intacta. Somos seres humanos cheios de paixão”.

Ney Prado e Paulo Bonfim aproveitaram o tempo presente trabalhando, sem raiva, sem inimigos como também o fizera Adib Jatene. Prezavam a responsabilidade, não acreditavam em nenhum poder superior. Por isso mesmo, nós, mortais, temos de assumir tudo o que fazemos. Precisamos assumir total responsabilidade pelos crimes e falhas da modernidade. Em vez de rezar por milagres, precisamos perguntar o que podemos fazer para ajudar.

Carpe diem: aproveite o tempo presente, vivendo-o integralmente, sem pensar no que o futuro nos reserva. Não gaste o tempo com pensamentos e coisas inúteis. Colha o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã. A verdade é que, sem paz, amor, amizade e ética, ninguém poderá ser feliz.
 
 
* Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp)