A propagação descontrolada do coronavírus está provocando a pior crise econômica dos últimos 100 anos em consequência da paralisação da atividade produtiva. Tudo indica que a destruição de empregos e de empresas será gigantesca. Trata-se de crise de origem não financeira e, ao contrário de quase todas as outras mais recentes, apareceu de forma surpreendente e inesperada. Isso mostra que as empresas precisam rever os modelos de governança para, no mínimo, não mais serem pegas despreparadas.
No início da pandemia, quando ela ainda estava restrita à China, em janeiro, houve o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, com a presença de mais de 2 mil CEOs das principais empresas e cerca de 100 governantes. O Brasil foi representado pelo ministro Paulo Guedes. No encontro, Klaus Schwab, o idealizador e realizador do evento há quase 50 anos, destacou e focou suas apresentações na questão de que as grandes corporações precisam se conscientizar de que têm importante papel social a cumprir. Fez, até, uma sugestão de ordem prática: que as empresas passassem a ter nos conselhos de administração representantes da sociedade, não apenas dos acionistas.
Assim, no manifesto final, Davos prega mudança no conceito tradicional das corporações que hoje é o de “empresas de acionistas” (shareholders companies) para que se tornem “empresas de stakeholders” (stakeholder não possui uma palavra correspondente adequada em português sendo traduzida como “partes interessadas”). Empresas de stakeholders são as que possuem nos conselhos de administração não apenas os habituais acionistas, mas também outros protagonistas como os empregados e representantes da própria sociedade. O manifesto pede para que prestem mais atenção também nas necessidades da sociedade como um todo, nos problemas do planeta, nas demandas dos trabalhadores. Segundo Schwab, o próprio modelo capitalista estará ameaçado sem a adaptação aos novos tempos.
O fato é que, mesmo sem a covid-19, já existiriam várias outras questões importantes na sociedade a exigir soluções para as quais as grandes corporações devem colaborar. Todas elas baseadas na exigência de salvarmos o planeta e de sermos mais solidários com o próximo. É o caso da questão das mudanças climáticas ou do desemprego causado pelo uso maciço das novas tecnologias. Os dois, talvez, sejam os temas mais importantes em que praticamente todas corporações podem contribuir com propostas e ações para mitigar as consequências nefastas. Algumas já o fazem. Há um esforço crescente em utilizar fontes energéticas não poluentes, assim como preocupação em capacitar funcionários com novos conhecimentos e habilidades para aproveitá-los em novas funções e evitar demissões.
As empresas — principalmente as grandes — precisam passar a se dedicar às questões da sociedade. E é urgente que essa postura se expanda muito mais, não apenas nos casos acima mencionados. É o caso de praticamente todos os outros grandes problemas mundiais, como o terrorismo internacional, as migrações e a pobreza extrema. No atual estágio da pandemia, o recado do Fórum Econômico Mundial assume dimensão ainda maior. Apesar da situação de extrema dificuldade pela qual a maioria das empresas passa, e que, infelizmente, deve piorar no médio prazo, estamos diante de uma situação em que, deixado só, o poder público não vai conseguir resolver os graves problemas.
O governo norte-americano injetou US$ 2 trilhões na economia, mas precisou que a General Motors redirecionasse a produção para passar a fabricar ventiladores para UTIs. Esse exemplo é o que deve ser perseguido agora por todas as grandes corporações. Cada CEO deve refletir sobre o que é possível fazer para contribuir e evitar o agravamento da crise. Exemplos não faltam. E, principalmente, porque boa parte dos recursos das empresas está ociosa, é o momento de usá-la para ajudar as equipes de saúde.
Vale citar: ceder espaços para acomodar pacientes e médicos e auxiliar no isolamento, disponibilizar a frota de veículos, redirecionar a produção para fabricar itens básicos, como máscaras, álcool em gel, móveis para hospitais, realocar as equipes e centros de P&D — Pesquisa & Desenvolvimento para que se dediquem ou se incorporem aos esforços ligados à pandemia. Sem contar o fato de que é bem provável que o número de testes para detecção do vírus talvez entre na casa do bilhão, e as grandes empresas também poderiam contribuir nesse aspecto. O mundo corporativo está diante de um desafio como nunca antes visto. Ao colaborar, as empresas obterão as credenciais para adentrar o capitalismo do stakeholder, que é o que deverá predominar no século 21.
* Professor sa Feausp, é membro dos conselhos de administração da FIA e Adesampa