Opinião

Opinião: Capitis diminutio

''Na astronomia, os planetas orbitam em torno do astro-rei; na biologia, isso seria parasitismo. Carlos gosta dessa relação''

Um velho ditado diz que “o sapateiro não deve ir além dos sapatos”. Trata-se de um alerta contra a pretensão. Carlos Wizard Martins deveria conhecer o mote melhor que ninguém.

Empresário bem-sucedido, começou com os cursos de inglês, que se tornaram franquias, e plataforma de lançamento para outros negócios, que lhe renderam muito dinheiro. Seu sucesso, porém, foi mais por montar equipes do que ter conhecimento de tudo. Soube reunir bons nomes, comprometidos e eficientes, que lhe apresentaram boas oportunidades e resultados consistentes. Wizard encontrara a chave da prosperidade.

Mas passou a acreditar que seu talento para escolher as pessoas não era virtude. Infectado pela pretensão, começou a considerar que a relevância conquistada era resultado da antevisão ao bom negócio, da astúcia para o lucro. Que poderia, sim, montar ótimas equipes de trabalho, mas que se não fosse ele o dono de todas as ideias, nada funcionaria.

Decidiu compartilhar a “magia” pessoal. Palestras e entrevistas sempre em tom professoral. Fotos com figuras relevantes, muita adulação de conhecidos e desconhecidos, autógrafos, aplausos. Uma máquina de conquistar. A essa altura, a franquia de cursos de inglês tinha sido vendida a uma grande rede britânica de educação, com presença em aproximadamente 70 países, por uma soma bilionária.

Carlos Martins fascinava pela simplicidade com que falava de si mesmo e dos negócios. Espartano no trajar, simpático e conversador, fazia questão de deixar evidente sua origem modesta. Gente como a gente, diziam. Nos livros de autoajuda, seguiu o formato consolidado por Jack Welch, com frases e ensinamentos.

Na astronomia, os planetas orbitam em torno do astro-rei; na biologia, isso seria parasitismo. Carlos gosta dessa relação. Defendeu João Dória em rede social, mas, semanas depois, estava no Ministério da Saúde sentando praça e assumindo o discurso do maior inimigo político do governador.

Pela quilometragem adquirida na vida empresarial, acreditou-se traquejado na política. Emulou o chefe maior, ao dizer que tinha governador falsificando números de mortos e de casos da covid-19 para poder cravar mais fundo a faca no governo federal pela obtenção de recursos. Falou em recontagem. Mostrar alinhamento com o presidente negacionista fazia parte do processo de aprendizado para ir de uma secretaria na Saúde para um ministério.

A imagem forjada pelo sucesso empresarial desfez-se na imprudência. Saiu em silêncio humilhante, levando uma caixa de papelão e uma bolsa de pano a tiracolo com poucos pertences. O voo político de Wizard foi abreviado pela pretensão.