Vossas Excelências, eleitos pela população, permitam-me apresentar pelo menos 10 razões para que mantenham em segurança as pessoas que lhes outorgaram o cargo que ocupam. Saibam que os que se despediram dos seus entes abatidos pelo coronavírus não se esquecerão da atitude que tomarem.
Os conteúdos aos quais me refiro dizem respeito a um bem supremo para o qual qualquer pessoa pública deveria atentar: a vida. Afinal, postergar ações de combate à pandemia ou afrouxar medidas protetivas de maneira precipitada pode gerar outros arrependimentos como os já conhecidos casos de Milão (Itália), Inglaterra e Estados Unidos. Além de reconhecerem os erros, foram obrigados a valorizar o Estado como ente forte e central na governança do controle e combate à covid-19.
Esta não é a primeira vez, tampouco será a última, em que venho ao encontro de Vossas Excelências, mas me sinto na obrigação ética e cidadã, como enfermeira sanitarista e professora universitária da área de políticas públicas de saúde de uma das cinco melhores instituições de ensino superior do país, de dizer-lhes que:
1 - Vossas Excelências não possuem equipamentos de proteção individual (EPIs) suficientes para todos os profissionais da saúde, sobretudo para os que se encontram na linha de frente, entre eles, os enfermeiros, técnicos de enfermagem, recepcionistas, vigilantes, agentes administrativos, segurança.
2 - Não têm teste para todos brasileiros. Se o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde de seus estados conseguirem adquiri-los, certamente, dada a escassez, serão priorizados para os profissionais da saúde que estão na linha de frente e para a confirmação do diagnóstico dos casos suspeitos internados e pós- morte.
3 - Não dispõem de tratamento seguro. A tão badalada cloroquina encontra-se em fase de pesquisa (teste clínico), sem nenhuma evidência científica de que se possa, com segurança, afirmar a eficácia do uso desse medicamento para o tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. O que a medicina clínica recomenda é sua variante, a hidroxicloroquina para tratamento contra a malária, lúpus e artrite. Logo, lembrem-se de que esse remédio tem efeitos colaterais fortes e pode matar.
4 - Nos estados, não há leitos suficientes para atender a todas as pessoas que os vão demandar com a redução das medidas de isolamento, e não são somente os idosos, já classificados de risco. Há milhares de outros: crianças com síndrome de insuficiência respiratória, adultos com agravos crônicos, pessoas em situação de rua, privadas de liberdade, com sofrimentos mentais, que engrossam a fila dos que ainda moram em situação de vulnerabilidade nas periferias das cidades.
5 - Não existe vacina.
6 - Não podemos aceitar a dicotomia entre a vida com saúde ou a saúde da economia. Não queremos desemprego em massa, tampouco subempregos, precarizados, terceirizados. Mas não se deve negociá-los em cima dos corpos e das dores dos que tiveram que proferir, a distância, o último adeus a familiares ou amigos mais próximos. O cenário é trágico, para não falarmos em perverso e desumano.
7 - O vírus chegou pela casa-grande, mas ainda não chegou à senzala — que não possui água nem saneamento básico, moradia digna, alimentação adequada, segurança ou renda. Querem exemplos? Tenho muitos a citar, mas vou me ater ao lugar onde moro. Aqui existem lugares como Sol Nascente, Pôr do Sol, Estrutural, semelhantes a muitos outros existentes no Brasil.
8 - Não podem repetir os erros dos países desenvolvidos que não tomaram a firme decisão de isolar totalmente a sociedade. Desejo profundamente que Vossas Excelências não regressem às tradicionais coletivas de imprensa atônitos, sem saberem o que dizer diante das mortes evitáveis que podem escorrer pela tinta das canetas.
9 - Não adianta tentar desmoralizar a ciência em praças públicas, pois ela sempre esteve e estará a serviço da superação das desigualdades humanas. Mais: apesar de agredida e desvalorizada, sempre se coloca disponível e segura do papel que desempenha na sociedade.
10 - Não deixem ser levados pelas enxurradas de desinformações que confundem e atrapalham informações seguras e qualificadas cientificamente. Estejam ao lado dos meios jornalísticos sérios e comprometidos com a saúde das pessoas e a vida, em primeiro lugar.
Finalmente, solicito a Vossas Excelências que não afrouxem o isolamento físico e o distanciamento social, ou teremos milhares de mortes. Não se trata de opinião, mas das projeções epidemiológicas que apontam picos da doença e das complexas e históricas desigualdades das regiões do nosso país.
*Maria Fátima Sousa é professora da Universidade de Brasília (UnB)