Correio Braziliense
postado em 09/06/2020 04:05
“Era para esse país tá pegando fogo”. Disse o rapper Emicida quando o músico Evaldo dos Santos Rosa foi executado com 80 tiros por militares no Rio de Janeiro em abril no ano passado. Mas não pegou. Na época, houve certa repercussão nas redes e alguns poucos atos. Depois, o Brasil viu morrer de forma covarde a menina Ágatha Félix em setembro de 2019 pelas mãos da polícia em uma operação. De novo, manifestação pelas redes e protestos em sua maioria no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Para não ir muito longe, neste ano, mais um homicídio. João Pedro, de 14 anos, baleado dentro de casa em São Gonçalo em mais uma operação de policiais do estado do Rio de Janeiro em meio à pandemia. Depois, a triste morte de Miguel, de apenas 5 anos, abandonado em um elevador pela patroa da mãe, empregada doméstica, em Pernambuco. Pela primeira vez, o país “pegou fogo”, mas inflamado por um acontecimento de fora, o assassinato de George Floyd por policiais norte-americanos que provocou um levante nos Estados Unidos para denunciar a violência policial e o racismo estrutural no país.
Os atos nos EUA fizeram com que o mundo inteiro falasse sobre o assunto e também saísse às ruas. Nunca antes o Brasil tinha dado tanto destaque para a temática como agora. O que é extremamente válido. Mas entristece o fato de que esse é um tema vivenciado diariamente no Brasil e que a gente só foi capaz de reconhecer quando o viu no outro, quando sentiu a dor do outro.
A sensação é que muitas vezes — mesmo que isso venha diminuindo — não choramos e não nos revoltamos pelo que acontece no nosso quintal, com os nossos. Isso é resultado de um outro problema no Brasil. A falta de conhecimento da própria história é que nos faz perpetuar mitos, como o da “democracia racial de um país miscigenado”. Mas, não se engane, a miscigenação no Brasil envolve estupro e uma ideologia da elite entre os séculos 19 e 20 de embranquecimento da população com a imigração europeia. Isso não está nos livros pedagógicos, claro.
Outro problema clássico do não conhecimento da nossa história é acharmos que o Brasil é menos racista que países como Estados Unidos. Isso porque lá existia uma segregação nítida entre negros e brancos, que eram divididos em espaços nas cidades, nos ônibus, nos bebedouros e até nos banheiros. Aqui, a segregação aconteceu de forma velada, com os ex-escravos sendo jogados na sociedade sem as mesmas oportunidades e com destino às favelas.
Que com esse momento impulsionado pelas manifestações nos Estados Unidos, a gente consiga olhar para o Brasil e ver que temos uma série de problemas que envolvem o racismo. Um tema que há anos o país joga para debaixo do tapete. E simplesmente não dá mais. Temos que discutir o racismo, mas mais do que isso, temos que enfrentá-lo de uma vez por todas. Porque vidas negras realmente importam.
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