Opinião

O impacto da covid-19 na saúde mental

''Falar de saúde mental durante a pandemia é imprescindível, principalmente no cuidado com a população, tanto os profissionais que estão na linha de frente do atendimento à covid-19, quanto as pessoas em geral''

Correio Braziliense
postado em 08/06/2020 09:11
''Falar de saúde mental durante a pandemia é imprescindível, principalmente no cuidado com a população, tanto os profissionais que estão na linha de frente do atendimento à covid-19, quanto as pessoas em geral''Com mais de dois meses de pandemia provocada pelo novo coronavírus, a preocupação com as consequências para todo o mundo é uma constante. Desdobramentos econômicos e sanitários têm sido discutidos com veemência na grande mídia, nas redes sociais, nos lares e até mesmo nas reuniões de trabalho via videoconferência.

A sensação de medo do desconhecido e das consequências que ainda estão por vir é o principal relato das pessoas. Em meio ao atual cenário, é natural e até mesmo saudável que haja certa dose de preocupação, visto que é situação inédita para muitos de nós e é necessária uma adaptação. A ansiedade, reação natural, propicia maiores chances de nos prepararmos para possíveis desafios e soluções.

Entretanto, quando o medo começa a tomar proporções prejudiciais, impõe-se acender o sinal de alerta. Falar de saúde mental durante a pandemia é imprescindível, principalmente no cuidado com a população, tanto os profissionais que estão na linha de frente do atendimento à covid-19, quanto as pessoas em geral.

Estudiosos apontam as graves consequências da covid-19 na saúde. Nos gráficos de tendências, quatro ondas relativas à crise sanitária devem ser consideradas com bastante atenção. Na primeira, estão os indicadores de mortalidade e morbidade imediatas do vírus, bem como a recuperação pós-UTI.

A segunda e a terceira relacionam-se, pois abordam o impacto da restrição de atendimento em condições crônicas e urgentes. Leitos de UTI, por exemplo, estarão ocupados com pacientes de covid-19, impossibilitando o atendimento a outras urgências e patologias graves. Além disso, por medo da contaminação, pacientes podem deixar de ir aos hospitais e dar continuidade aos tratamentos. Essas condições levam ao agravamento de uma série de casos que voltarão de forma avassaladora após a flexibilização do isolamento social.

A quarta onda refere-se ao trauma psíquico, doença mental, impacto econômico e burnout. Diferentemente das outras curvas, esta permanece ascendente, mostrando que as consequências serão maiores e mais duradouras. Ao contrário do que muitos pensam, no entanto, a quarta onda agirá simultaneamente com as outras. Ela está em formação, e isso é muito preocupante.

Em pesquisa realizada recentemente pela ABP, os associados perceberam aumento de até 25% nos atendimentos psiquiátricos e 82,9% do agravamento dos sintomas dos pacientes após o início da pandemia. É notório o foco no cuidado com a saúde mental da população. Ele deve ser abrangente e direcionado a todos para haver mudança no pensar e no comportar-se.

Em relação aos profissionais que trabalham na linha de frente, há a preocupação de preservar o capital mental — cognição, emoções e repertório comportamental. Os primeiros estudos, considerando médicos chineses que trabalharam no controle da pandemia, revelam que os que contam com mais suporte social mantiveram melhor qualidade de sono, maior autoeficácia e menor intensidade de sintomas de ansiedade e estresse.

O cuidado com a saúde mental desses profissionais deve ser uma das principais pautas da atualidade. A agenda é urgente e será um dos pilares para o bom enfrentamento às demais consequências trazidas pela pandemia. Ações têm de ser implementadas com urgência para que, nos próximos anos, possamos lidar com mudanças, estressores e até mesmo oportunidades que possam surgir. A saúde mental é a chave para enfrentar o cenário atual e seus desdobramentos.

*Antônio Geraldo da Silva é médico, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal)

* Leandro Mally-Diniz é presidente da Associação Brasileira de Impulsividade e Patologia Dual (Abipad)

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