O caráter do governo de Jair Bolsonaro fica claro a cada dia. Quando se lembra que um ex-secretário de Cultura macaqueou Joseph Goebbels e um secretário de Comunicação repetiu, disfarçadamente, os dizeres que estavam sobre o pórtico do campo de concentração de Auschwitz, a frase de Mussolini não parece deslocada. Está inserida num contexto que confirma a admiração presidencial por personagens históricos de baixa estatura.
Não é normal que um grupo de apoiadores do governo vá para a frente do Supremo Tribunal Federal, num ato que não apenas lembrou os racistas da Ku Klux Klan, mas, sobretudo, os desfiles noturnos dos nazistas, cuja coreografia formava, entre outras coisas, a suástica. Leni Riefenstahl registrou tudo em O Triunfo da Vontade, um dos seus mais importantes filmes de propaganda hitlerista.
Da mesma forma, não é normal quando representantes diplomáticos de Israel e da comunidade judaica, do Brasil e dos Estados Unidos, protestam com a comparação, feita pelo ministro da Educação, de uma ação da Polícia Federal, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, com a Noite dos Cristais. Algumas, ainda, pediram que a bandeira israelense não fosse atrelada a manifestações de cunho extremista, como têm sido a dos apoiadores de Bolsonaro, que pedem autogolpe e fechamento do STF e do Congresso.
Também não é normal que o governo não faça a mínima referência aos 75 anos da derrota dos nazistas na Europa, ignorando o 8 de maio, campanha da qual brasileiros participaram com extremo sacrifício. Lembrei disso dias atrás, aqui neste espaço, porque a mim pessoalmente agride, já que tive um tio que lá esteve lutando contra a opressão e o genocídio.
As coisas encaixam-se perigosamente. Mussolini e figuras do mesmo diapasão só são lembradas por gente que perdeu a dimensão dos fatos — sempre implacáveis com a ignorância. As trapalhadas e a truculência do Duce fizeram com que fosse engolido pelo próprio sistema que ergueu, com a ação de personagens como Dino Grandi e o rei Vittório Emmanuelle III. Se desejarem ler a respeito, sugiro Duce — Ascensão e Queda de Benito Mussolini, de Richard Collier, e Kaput, de Curzio Malaparte. Ou qualquer obra de Primo Levi e Boris Pahor.
O único legado decente de Mussolini foi seu filho Romano, um respeitado pianista de jazz. O restante foi lixo, onde deve permanecer.