Mas isso não ocorreu. O investimento foi muito penalizado (em 2020, no país, seria o menor historicamente) e, entre 2017 e 2019, houve crescimento de 1% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, já se fazia necessário um impulso fiscal para acelerar o crescimento. A dívida pública não estava em trajetória insustentável, inclusive no cenário do Tesouro Nacional, nem havia percepção de descontrole fiscal — dado que o risco-país e as taxas de juros implícitas nos títulos do governo se reduziam; a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial estava entre -4% e -7%. Portanto, nessas condições, há despesas que expandem mais a economia, como investimento. Com impulso fiscal, não só o bem-estar das pessoas seria aumentado (com queda do desemprego e aumento da renda), mas, também, o próprio resultado primário.
Já com a pandemia, com a retração do PIB estimada em 5,5% em 2020, o hiato do produto vai se ampliar. A dívida da maioria dos países aumentará, o que não muda a posição relativa do Brasil. Ademais, as taxas de juros em todas as economias, incluindo o Brasil, caíram ainda mais, o que faz a dinâmica da dívida menos explosiva. Mas, uma das variáveis fundamentais para essa dinâmica é o crescimento econômico, de forma que é premente acelerá-lo por conta de consequências que poderiam reduzir permanentemente seu ritmo de expansão. Assim, mesmo no pós-pandemia, o impulso fiscal continua extremamente necessário.
Para tal, porém, será imperativo alterar o teto de gastos. A Instituição Fiscal Independente (IFI) aponta que a mudança será inevitável em 2022. Portanto, é saudável que seja feita de forma organizada, priorizando despesas de melhor qualidade.
Propomos novo teto de gastos, com despesas primárias da União com variação acima da inflação de 3,5% ao ano. Ele seria revisado a cada quatro anos, de acordo com as condições fiscais do país. Seria implementado em 2021, com referência retroativa desde 2019, tendo vigência entre 2020 e 2023. Teria subtetos que compõem o geral: i- benefícios previdenciários; ii- pessoal e encargos sociais; iii- restante das obrigatórias (menos i e ii); iv- investimento; v- demais discricionárias (menos iv).
Sob determinadas hipóteses, para cada subteto e considerando uma recuperação rápida (em V) do Brasil à recessão de 2020, teríamos, em 2021, um subteto para investimentos da ordem de R$ 128 bilhões (1,8% do PIB, 1 ponto perecentual a mais do que 2019, quase R$ 72 bilhões), o que seria um impulso fiscal relevante em investimento. Em 2023, seria feita nova análise das condições fiscais do país, em conjunto com projeções do PIB e da taxa real de juros para os próximos anos a fim de verificar a possível expansão de despesas para o ciclo 2024-27.
Para complementar o arcabouço fiscal proposto, a regra de ouro seria extinta e a regra de superavit primário ajustada, considerando o ciclo econômico (se o PIB estiver operando acima ou abaixo de seu potencial).
Nesse cenário, a dívida pode cair mesmo com deficits primários se a taxa de crescimento econômico for superior à taxa de juros. Em nossa simulação, há estabilidade da dívida até 2025, caindo, a partir daí, até 76% do PIB em 2040. Por fim, caso se deseje reduzir a dívida mais celeremente, poderiam ser instituídos tributos sobre dividendos, novas alíquotas de Imposto de Renda, harmonização de regras para todos de mesma renda. Para o resultado do setor público consolidado, poderiam ser mais bem regulamentados o IPTU, o ITR, o IPVA e a possibilidade de expansão da alíquota do tributo sobre heranças.
* Doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB)
* Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)