Correio Braziliense
postado em 30/05/2020 14:10
Urge que a história e a realidade da formação do povo brasileiro sejam contadas por meio da realidade dos nossos antepassados escravizados, em resgate histórico, para produzir conhecimentos, atitudes e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade ético-racial. Torna-se necessário lembrar que o respeito e o direito são extremamente necessários numa sociedade plural como a nossa.
O Brasil possui legislação ampla em defesa das pessoas vítimas de discriminação racial: Lei Caó, Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 10.639, entre outras. Entendemos que o racismo não se combate com o silêncio. Temos que ter coragem de falar abertamente. Por isso, a Comissão da Igualdade Racial da OAB/DF busca assegurar o cumprimento e a elaboração de normas garantidoras dos direitos constitucionais previstos na Carta Magna, como no artigo 5°, caput e inciso XLII:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII — a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”
Os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que a população negra corresponde a mais de 54% dos brasileiros, se considerados pretos e pardos, e a luta contra a desigualdade está longe de terminar. É fundamental que as questões étnico-raciais venham a ser debatidas constantemente pelo Judiciário.
Em tempos de crise, a desigualdade ganha maior evidência. Na atual pandemia, o mundo está diante de um quadro de enfrentamento de uma doença bem democrática. Ela se espalha entre pessoas de qualquer nacionalidade, raça, gênero, entre outros fatores demográficos que diferem no caso de diferentes enfermidades.
Felizmente, é um caso em que medidas simples, como manter o isolamento social, higienizar as mãos, evitar aglomerações têm se mostrado bastante eficazes na redução do número de casos em países que atingiram picos de contágio nas últimas semanas.
É, então, que as diferenças sociais e, consequentemente, as diferenças raciais se manifestam de maneira gritante no Brasil. O vírus é democrático na maneira como acomete as vítimas, mas o acesso aos meios de combate a ele não o é.
O único meio efetivamente comprovado de prevenir-se é diminuir a exposição ao contágio. Além dos profissionais de saúde, existe um grupo de trabalhadores que estão entre os prestadores de serviços essenciais, como transporte público e limpeza urbana, mas existem, também, muitos que, pelas condições socioeconômicas, não podem deixar de trabalhar.
Como exemplo, tomemos o caso dos empregados domésticos, que são, majoritariamente, de classes sociais menos abastadas e desproporcionalmente mais ocupadas pelas populações negra e parda (desproporção que também ocorre no número de negros e pardos nas comunidades carentes, nas classes menos abastadas, na população em situação de rua).
Um empregado doméstico que usa o transporte público, transita entre a própria residência e a do empregador diariamente, pode-se ocupar com roupas, louças, limpezas dos ambientes de alguém infectado que esteja em casa de quarentena. Ao deixar o trabalho, no horário de pico, entra em contato com outros trabalhadores, vindos de todas as partes da cidade.
Quando chega em casa, pode ser que não tenha acesso à água potável, muito menos ao álcool em gel. Sem condição de higienizar as mãos, tomar um banho, lavar a máscara reutilizável, ele se fecha em casa com a família e espera pela manhã do dia seguinte para a mesma rotina.
Optar pelo regime de home office, deslocar-se com o próprio carro, definir horários quanto a sair de casa, ir ao supermercado, poder comprar comida e também álcool em gel, ter água corrente ou mesmo mais de uma saída de água limpa na própria residência são opções que não alcançam a maior parte das populações carentes.
O mesmo se dá com o acesso aos métodos de diagnóstico da doença. Daí porque tanta subnotificação entre as comunidades pobres. Já se notam sinais de colapso no SUS e mesmo falta de testes confiáveis, havendo, também, no Brasil, venda dos testes a preços inacessíveis para expressiva parte da população.
Vale questionar se o número de vítimas da covid-19 entre a população carente, majoritariamente negra e parda, corresponde, de fato, à dura realidade que essas pessoas têm enfrentado diariamente.
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