Indicadores de alta frequência, em especial os de mobilidade extraídos de telefones celulares, mostram que, em vários países, as pessoas começam a sair mais de casa. Nos Estados Unidos e na Alemanha, por exemplo, o movimento de carros já se aproxima do observado em meados de janeiro. Sinal de uma gradual retomada dessas economias, conforme se controla a pandemia e relaxam as medidas de confinamento. Confirma-se, assim, o prognóstico de que a maior retração da atividade econômica se dará no segundo trimestre de 2020.
Com alguma defasagem, a gradual retomada da atividade vai ajudar a estabilizar o mercado de trabalho e a reduzir a pressão sobre as contas públicas e o sistema financeiro. Desde que não ocorram novos surtos do coronavírus, o apetite pelo risco vai aumentar, beneficiando ativos como ações, commodities, títulos de renda fixa e moedas de países emergentes, todos até aqui amargando quedas significativas desde o início do ano.
Mas, e as contas externas, o que esperar para elas este ano? As previsões de organizações multilaterais apontam para forte retração dos fluxos internacionais de comércio e investimento.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) aposta que, em 2020, o volume de comércio internacional de bens e serviços cairá de 13% a 32%. Todas as regiões devem ser atingidas, ainda que a OMC espere retração maior na Ásia e na América do Norte e em cadeias mais complexas, como as de automóveis e eletrônicos.
Imagino que não apenas pela queda no consumo desses bens, mas pela produção de partes e componentes ser espalhada por maior número de países. Some-se a isso, o recrudescimento da guerra comercial e tecnológica entre os EUA e a China. A OMC também aposta em contração do comércio de serviços. O destaque aqui recai sobre viagens aéreas, turismo e transporte de mercadorias, que deve sofrer com a redução do comércio de bens.
O Brasil, claro, também deve experimentar queda considerável nos fluxos de comércio. De acordo com a projeção mediana dos analistas de mercado consultados pelo Boletim Focus, do Banco Central, neste ano, nossas exportações e importações devem registrar quedas de, respectivamente, 9% e 14%. Com isso, o resultado positivo da balança comercial subiria de US$ 40,8 bilhões para US$ 43,3 bilhões.
Parece pouco, considerando que nosso PIB deve cair mais do que o do resto do mundo, com retração especialmente forte do investimento; que o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou e que se espera que os preços de commodities, importantes na nossa pauta de exportações, como soja e minério de ferro, não caiam em 2020.
Também a melhora projetada pelos analistas de mercado para o deficit em conta corrente — de US$ 49,5 bilhões em 2019 para US$ 34,1 bilhões este ano — me parece conservadora. Além do aumento do superavit comercial, há que considerar a forte redução dos deficits em turismo e transportes, que foram de, respectivamente, US$ 11,7 bilhões e US$ 5,9 bilhões no ano passado. Além disso, é de se esperar que, com o câmbio mais desvalorizado e a economia em forte retração, e dada à forte demanda corporativa por liquidez, diminua a remessa de rendimentos de investimentos diretos, rubrica que contribuiu liquidamente com US$ 36,0 bilhões para o deficit externo de 2019.
Já em relação aos fluxos de investimento direto estrangeiro, a previsão da Unctad é de queda de 30% a 40% no biênio 2020-21. Como no comércio internacional há impacto direto da pandemia, mas também fatores mais estruturais, como o processo de parcial desmonte das cadeias globais de valor e a verticalização no mercado doméstico em algumas áreas, com destaque para farmacêutica, equipamentos médicos e bens com elevado conteúdo tecnológico, neste último caso, também fruto das hostilidades entre China e EUA.
Esses fatores estruturais terão menor peso no Brasil, pois o país nunca se integrou com força a essas cadeias, devido às variadas políticas de estímulo ao aumento do conteúdo local da produção nacional. A aversão ao risco trazida pela crise econômica provocada pela pandemia vai, porém, pesar: os analistas de mercado projetam para este ano US$ 65 bilhões em investimentos diretos no país, contra US$ 78,6 bilhões em 2019.
O ajuste nas contas externas deste ano é boa notícia, pois permitirá lidar melhor com a crise de dívida de mercados emergentes que pode pipocar em 2021. Pena que tenha sido preciso recessão tão brutal para ele ocorrer.
* Coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/URFG